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Barbie: vilã ou heroína?

Por Renata Souza

Barbie
Foto: Reprodução/Barbie

A resposta para essa pergunta é: depende! Muitas são as perspectivas e leituras que podemos fazer da Barbie e do seu legado ao longo dos mais de 60 anos de sua existência. Ela é a boneca mais famosa do mundo e responsável por revolucionar a indústria dos brinquedos. Eu diria que a Barbie também revolucionou o modo de brincar de muitas meninas. E por que não de meninos, ao redor do mundo? Que atire a primeira pedra, a hoje mulher, que quando criança nunca sonhou em ter uma dessas para chamar de sua. Afinal, ter uma Barbie nos possibilitaria brincar com outros papéis, além do de mãe com as tradicionais bonecas em formato de bebê. Com ela, poderíamos brincar de médica, advogada, astronauta e não só de donas de casa e cuidadoras.

A Barbie, uma boneca adulta, jovem, branca, loira, e, sim, sexy, carrega um padrão estético inatingível e passível de várias críticas, pois ela também é uma vilã. Afinal, é produto da cultura pop capitalista; logo, seu compromisso é com os lucros da Mattel, empresa que a criou e a comercializa, sem a preocupação de me fazer confortável no mundo. Entretanto, hoje a minha perspectiva e o meu olhar vão se limitar ao que há de heroico em Barbie. Sim, há um quê de heroico e, até mesmo, de empoderador nele, por mais que eu tenha restrições e pé atrás com o uso desse conceito, que, ao meu ver, vem sendo banalizado e esvaziado ao longo do tempo. Além disso, sei que o capitalismo selvagem encampa o discurso e a crítica do oprimido e o torna mercadoria. Então, por que não tirar vantagens? E já vou logo avisando, vai ter espoiler sim! Se você é da galera que bebe café com açúcar e odeia espoiler, vai lá, assiste ao filme primeiro e depois volta para prosseguir com esta leitura. Garanto que não vai se arrepender.

Nos últimos meses, fomos invadidos pela onda cor-de-rosa! Quanto mais nos aproximávamos do dia 20 de julho, data de estreia do longa Barbie, mais presente a boneca mais famosa do mundo, e que também já liderou o ranking de vendas com direito à menção no Guinness Book, pelo número de 10 milhões de unidades vendidas de uma única versão da boneca, (a Barbie Totally Hair), mais forte era a presença dela nas redes sociais. Nas últimas semanas, pudemos ver em nossa time line as várias versões da Barbie profissões, tanto os modelos oficiais, como as versões criadas pelo público. Obviamente que, nas criadas pelo público brasileiro, trabalhos informais e precarizados, que são uma realidade do nosso mundo Brasil, estavam comtemplados. Como sempre, nós brincamos até com a nossas mazelas sociais. Ou seria: protestamos e nos divertimos no caminho?

Mas, mesmo vendo o surto Barbie nas redes sociais, não tinha pretensões de ver o filme, afinal, pensei que fosse infantil. Porém, quando o tema Barbie começou a dividir opiniões e a gerar pânico moral, a ponto de alguns grupos fazerem verdadeiras campanhas para que seus “fiés seguidores” não fossem ao cinema ver o filme, comecei a prestar mais atenção no que estava sendo dito a respeito, ou melhor, no que estava em jogo. A partir daí, descobri que Barbie não era um filme para crianças, já que a classificação indicativa é para maiores de 12 anos. Até aí, normal, afinal a Barbie é uma boneca adulta, um sexy simbol e seria interpretada por uma atriz (Margot Robbie), cuja estética se encaixa nos padrões que a nossa sociedade valoriza. Não à toa, ela interpreta a versão da Barbie estereotipada, ou seja, aquela que materializa uma mulher perfeitamente bela, com uma vida perfeita em um país perfeito, ou seja, um mundo fora da realidade, um mundo cor-de-rosa, e, pasmem, um mundo dirigido por mulheres, a idílica “Barbieland”.

E comecei a me questionar: por que Barbie está incomodando tanta gente? Fui ao cinema conferir o porquê de as pessoas estarem vestindo sua melhor roupa rosa e enchendo as salas de cinema Brasil afora. Sem contar as milhares de fotos das pessoas na caixa da Barbie, elemento cênico disponível nos cinemas como peça de marketing instagramável para divulgar o filme, (diga-se de passagem genial), nas redes sociais. Barbie, como todo o filme, tem um objetivo comercial bem pragmático: vender. No caso em tela, busca-se (re)aquecer as vendas da boneca, que vem perdendo espaço para as novas formas de brincar e pela fama de “boneca fascista” adquirida nos últimos anos.

Antes que você morra de curiosidade, não fui de rosa! Não foi por achar que a Barbie não mereça tal homenagem, mas porque não disponho de tantas peças cor-de-rosa assim. Mas vamos ao que interessa. O filme é muito bom e divertido! É brilhantemente construído e nos permite discutir uma gama imensa de temas. Barbie coloca na mesa o etarismo, o voto feminino, a desigualdade de gênero no mercado de trabalho, o feminismo, o patriarcado e a violência sexual sofrida diariamente por nós mulheres. A lista é extensa, mas vou me limitar a esses temas que elenquei acima.

Ao assistir ao filme, fica claro o porquê do incomodo dos grupos conservadores, pois Barbie é um convite para que as mulheres cooperem e não compitam entre si. É um convite aos homens, por meio da figura do Ken, o eterno apaixonado pela Barbie, para repensar o modelo de masculinidade pautado no patriarcado, no machismo e na violência. Desse modo, de forma caricata e divertida, o filme mostra que esse modelo é nocivo para homens e mulheres.

Barbie é empoderador porque, mesmo com todos os limites e críticas que mereça, ele traz para a grande tela as angústias que nós mulheres sentimos diariamente por sermos mulheres, isto é, que o nosso trabalho nunca é considerado suficientemente bom, por mais que nos esfacelemos para fazer o melhor. Mesmo que empresas como a Mattel vendam para as meninas o slogan ”You can be anything”, ou seja, “seja quem você quiser ser”, é uma empresa comandada por homens.

Barbie pode não ser a aurora dos tempos, o despertar de uma nova moralidade, a emancipação da razão ou sequer vai instaurar o matriarcado (regime social no qual a autoridade é exercida pelas mulheres), conforme sugeriu Greta Gerwing, diretora do filme, que faz uma analogia/homenagem explícita a uma cena do filme clássico 2001: Uma odisseia no espaço. Barbie dialoga com esse filme quando meninas brincam de casinha, com as suas bonecas bebês, e de repente surge a magnífica e perfeita Barbie em seu maiô listrado, o que gera uma onda de revolta e violência nas crianças, que quebram suas antigas bonecas. A cena retrata o fim de um período e o início de uma nova era. A intertextualidade com 2001: Uma odisseia no espaço é explícita, tanto que é usada até mesmo a música desse filme, a icônica “Assim falou Zarathustra”, no momento de mudança de consciência das meninas. E não, não é coincidência. Esse Zarathusta é um poema sinfônico inspirado na obra filosófica de mesmo nome do Nietzsche.

O filme também não vai fazer com que todas as mulheres escolham a pílula vermelha em detrimento da azul (no caso do filme, a escolha fica entre um chinelo Birken e um scrapin rosa). Não fará as telespectadoras saírem do cinema conscientes da opressão do patriarcado, isto é, da ilusão da matrix, referência a outro filme homenageado. E nem mesmo fará as mulheres saírem da caverna, outra referência clara, uma alusão a Platão. Muito menos nos transformará em anti-homem. Na verdade, Barbie vai nos trazer, quando muito, reflexões úteis sobre os papéis de gênero em nossa sociedade. E, como disse minha filha, com quem compartilhei a sessão e os pensamentos, “quem assistiu à Barbie e achou que era apenas um filme bobo e fútil do início ao fim, não entendeu nada”.

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