Idade mínima e máxima

Por Eduardo Cunha

Foto: Reprodução/TRE

Dois fatos me levaram a abordar o assunto das idades mínimas e máximas para candidaturas a cargos eletivos. O 1º fato é que Lula vai precisar se submeter a uma cirurgia no quadril, já marcada para 29 de setembro, de recuperação lenta, que poderá afastá-lo um pequeno tempo das atividades da Presidência.

O 2º fato é a divulgação de uma pesquisa nos Estados Unidos, do Centro de Investigação de Assuntos Públicos da Associated Press-Norc, sobre o que os americanos pensam do seu presidente. O estudo mostra que 77% dizem que ele é velho demais para governar o país por mais 4 anos.

A Constituição Federal do Brasil estabelece uma idade mínima para candidaturas a cargos eletivos: 35 anos para presidente e vice-presidente da República e senador; 30 anos para governador e vice-governador de Estado e do Distrito Federal; 21 anos para deputado federal, deputado estadual ou distrital, prefeito, vice-prefeito e juiz de paz; 18 anos para vereador.

Não foi estabelecida qualquer idade máxima em qualquer cargo em disputa, seja ao Poder Legislativo ou ao Poder Executivo.

A legislação também trata dos ministros do STF: “O Supremo Tribunal Federal compõe-se de 11 ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 anos e menos de 70 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”. Esse texto é o já alterado em 2022, por meio da Emenda Constitucional 122, que passou a idade máxima para ingresso no cargo, de 65 anos, para 70 anos de idade.

Anteriormente, em emenda constitucional aprovada quando eu ainda era presidente da Câmara, em 2015, a de número 88, foi aumentada a idade para aposentadoria compulsória de 70 anos para 75 anos, na apelidada “PEC da Bengala”. Depois, a idade de 75 anos, passou a ser a idade para aposentadoria compulsória para todo servidor público, conforme determinação da Constituição.

A pergunta que fica é a seguinte: qual a razão de se estabelecer idade para aposentadoria compulsória de servidor público, estabelecer idade máxima para ingresso como ministro do STF, idade de aposentadoria compulsória para esses mesmos ministros e idade mínima para concorrer a cargo eletivo, mas não se estabelecer idade máxima para se concorrer ao mesmo cargo eletivo, dentre eles o responsável por comandar os servidores aposentados compulsoriamente aos 75 anos?

Muitos vão dizer que esse debate é para perseguir Lula, o presidente mais velho eleito da nossa História, com 77 anos, que terá 81 anos ao terminar o mandato. Tendo ainda a possibilidade de disputar a reeleição, o que o faria terminar com 85 anos o seu possível 4º mandato.

Michel Temer, anteriormente o presidente mais velho da nossa História, assumiu como vice-presidente com 70 anos, depois foi reeleito vice-presidente, já com 74 anos, assumindo a Presidência da República com 75 anos, em decorrência do impeachment de Dilma. Deixou o cargo com 78 anos, idade que Lula completará no 1º ano deste seu novo mandato.

Fernando Henrique Cardoso havia deixado a Presidência ao fim do 2º mandato aos 71 anos. Já Dilma, deixou a Presidência pelo impeachment aos 69 anos. Mas mesmo que concluísse o 2º mandato, sairia com os mesmos 71 anos de Fernando Henrique.

Bolsonaro deixou a Presidência com 67 anos. Mesmo que tivesse sido reeleito, deixaria o 2º mandato com 71 anos, mesma idade de Fernando Henrique e Dilma.

LULA E BIDEN

Muitos vão dizer que a idade da eleição de Lula se equipara com a de Biden, hoje com 80 anos. É verdade que nos Estados Unidos não existe essa limitação de idade para concorrer, e os ministros da Suprema Corte de lá –equivalente ao nosso STF–, ficam até a morte, sem idade para aposentadoria compulsória.

Entretanto, além dos Estados Unidos serem diferentes da maior parte dos países desenvolvidos, que inclusive tem mandato para o cargo que corresponde aos nossos ministros do STF, Lula jamais poderia ter retornado à Presidência da República do país. Isso porque é permitida a reeleição, mas uma vez reeleito, o presidente fica inelegível para qualquer nova eleição pelo resto da vida.

Se não fosse assim, Obama, Clinton ou Bush poderiam ter tentado um novo mandato de presidente.

Isso sem contar que Biden já está sendo contestado pela idade elevada, conforme a pesquisa citada. Além disso, o presidente norte-americano está com baixa popularidade, o que dificulta ainda mais a sua reeleição. Biden disputaria a reeleição aos 82 anos, terminando o seu possível 2º mandato aos 86 anos –idade que por exemplo estava Berlusconi, morto recentemente.

Para os padrões americanos, será difícil elegerem alguém tão idoso para a Presidência, que demanda demonstrações de vitalidade de forma constante. É claro que o provável adversário de Biden, Donald Trump, também tem uma idade avançada, 77 anos (a mesma de Lula), mas como pode enfrentar alguém mais velho que ele, isso diminuiria o foco desse debate contra Biden. Contudo, pode ser foco de debate dentro do seu partido, o Republicanos, na disputa pela indicação da candidatura.

A pesquisa norte-americana já citada inclusive mostra que a população também considera Trump velho demais para governar, mas os percentuais são menores que o de Biden: 50%.

Embora a preocupação com a morte pela idade seja menos relevante do que a capacidade de exercer na sua plenitude as funções da Presidência, nesses casos, o cargo de vice-presidente passa a ter mais importância. Não é pelo fato de ser velho, mas de não ter a energia necessária para desempenhar a função.

Isso fica evidente nos passos passíveis de tombos de Biden, meio vergonhosos para a figura de presidente da maior economia e democracia do mundo. A falta de vitalidade do estadista do país passa a percepção de falta de vitalidade da própria nação.

Por óbvio, nem Lula nem Biden têm a mesma vitalidade que tinham anos atrás. Aliás, nenhum de nós tem. Eu mesmo já estou prestes a completar 65 anos, embora com muita vitalidade, não sou o mesmo de 10 anos atrás. Certamente daqui a 12 anos, idade do Lula, se Deus me permitir estar por aqui, a vitalidade não será igual a de hoje.

Outros dados importantes dessa pesquisa estão muito alinhados ao que estou trazendo como debate nesse artigo: 67% dos estadunidenses defendem uma idade para aposentadoria dos juízes da Suprema Corte; 68% defendem uma idade de aposentadoria para os Congressistas; e 66% defendem uma idade de aposentadoria para o presidente.

A atual opinião da população norte-americana se dá porque a constatação da fragilidade de Biden, pela idade, entrou em discussão por lá. Aqui, pode ocorrer o mesmo quando estivermos mais próximos da campanha eleitoral e os brasileiros passarem a ter a mesma percepção que aquela população está tendo agora. Certamente, uma pesquisa feita 1 ano antes das eleições de 2026 trará resultados semelhantes no Brasil.

Além disso, sabemos que o que ocorrer nas eleições dos Estados Unidos terá influência sobre a próxima eleição presidencial brasileira, como já vimos em pleitos anteriores. Biden já anunciou que vai disputar a reeleição, mas se perder pelo motivo da idade, isso também impactará aqui.

No caso de Biden, mesmo que ganhe a reeleição, bastará a sua fraqueza no exercício do cargo nos momentos seguintes do seu 2º mandato para influenciar as eleições de 2026.

Quando Trump venceu de forma surpreendente Hillary Clinton em 2016, isso favoreceu a candidatura de Jair Bolsonaro. Da mesma forma, 4 anos depois, a derrota de Trump na sua reeleição desfavoreceu Bolsonaro.

A maioria das demais democracias mais fortes tem o sistema parlamentarista de governo. Nesse caso, é irrelevante permitir ou não a eleição de um presidente com menos vitalidade, pois o cargo já é mesmo quase uma aposentadoria. Não há qualquer função relevante que não seja exercida pelo chefe de governo, geralmente o primeiro-ministro indicado pelo Parlamento.

Por isso, temos até o caso de monarquias como o Reino Unido, em que o monarca pode ficar até morrer. Não faz qualquer diferença para a vida do país.

Até ao cargo de papa, que é chefe de Estado do Vaticano, antes vitalício, já passou a aceitar a renúncia, como ocorreu com Bento 16. Assim, criou-se a figura de papa emérito, até a sua morte em 2022. Isso justamente para ter uma renovação sem precisar enterrar o chefe anterior.

O Papa Francisco, sucessor de Bento 16, está com 86 anos. Enfrentando problemas de saúde e tendo sido submetido recentemente a cirurgia delicada, pode seguir o exemplo do antecessor e se tornar papa emérito, abrindo espaço para um sucessor com mais vitalidade.

Quem sabe não poderíamos criar também a figura do presidente emérito, para acolhermos os ex-presidentes, especialmente a Lula, que talvez não aceitasse dividir essa honraria com os outros. Aliás, a visita de Lula ao papa atual poderia ter sido aproveitada para fazer esse anúncio.

Uma pausa no tema. É engraçado notar que Lula explora a militância política de esquerda do papa atual, com o discurso de ser apenas uma coisa normal em vez de uma quebra da laicidade do Estado, tão cobrada da influência dos evangélicos. Para ele, Estado laico é só para a religião que apoia o adversário.

RENOVAÇÃO POLÍTICA

Será que não seria o caso de estabelecermos uma idade máxima para a disputa eleitoral no nosso país, não só para o cargo de presidente da República, mas também para todos os cargos, seja do Poder Executivo e até do Legislativo? Se temos idade mínima, por que não termos a idade máxima?

Além de assegurarmos a vitalidade do exercício dos cargos, teríamos muito mais capacidade de renovação e oxigenação dos cargos em disputa, permitindo a evolução da sociedade por essa renovação.

Alguém está vendo Lula propor ou fazer algo diferente do que sempre fez? Não. Ele é o mesmo, ainda mais antiquado nas ideias e métodos. Ele, como já disse em artigos anteriores, está em modo analógico e não em digital, como está o mundo hoje.

Os seus programas são os mesmos, só com um agregado de novo, como o “Novo Pac”, ou então um discurso novo, mas de métodos antiquados, como voto sigiloso no STF. Aqueles que pensam que Lula está preparando a sua sucessão na política com quadros do PT, se enganam redondamente, pois está preparando a mulher, 21 anos mais nova, para ser a sucessora, talvez até mesmo na sua própria reeleição.

No próprio desfile do 7 de Setembro, onde se esperava um sinal de pacificação e despolitização, Lula teve a sua mulher a seu lado, acenando para ninguém, vestida de vermelho, a cor do PT, ainda fazendo o sinal do “L”, em tom de provocação. Ou seja, os adversários usavam, segundo ele, o 7 de Setembro para fins políticos, mas a sua mulher não.

Petistas, abram os olhos, pois Lula está mais para monarca que está definindo para quem o trono ficará, do que para líder político que trabalha pelo seu ideal continuar. Só não vê quem não quer ver. Quem está de longe observando, não tem a menor dúvida.

Ou será que passou desapercebido a cena postada nas redes, em que Lula, vestido com a faixa presidencial, vai comer uma jabuticaba no jardim do Palácio da Alvorada dizendo que “quem planta, colhe” para lembrar que ele tinha plantado esse pé, no seu mandato de 2007 a 2010.

Isso mais parecia o monarca com a sua coroa se deliciando com o seu palácio. Afinal, jabuticaba, assim como Lula, só dá no Brasil.

Não se espantem se a próxima eleição presidencial for uma disputa entre as mulheres de Lula e Bolsonaro, pois um estará com dificuldades pela idade e o outro inelegível –em decisão judicial aguardada e bastante comemorada pela mídia, por aqueles que tanto fizeram do combate a Bolsonaro a razão das suas vidas.

Apesar da importância que Lula dá a sua própria mulher, até mesmo essa tentativa de valorização do papel da mulher na política não é corroborada pelo seu governo. O número de mulheres em postos de comando da gestão ainda é pequeno. Em alguns casos, até acabaram sendo substituídas por homens.

LIMITES OBJETIVOS

Deixando claro que não é para impedir que Lula possa disputar a reeleição, afinal, a nova legislação só seria implementada a partir do pleito de 2030, deveríamos colocar na Constituição uma idade máxima para a disputa eleitoral. Assim, evitaríamos eleger no futuro idosos sem condições de governar ou legislar em sua plenitude.

O objetivo da discussão não é tirar qualquer direito que Lula tenha hoje, mas prevenir para que no futuro isso não venha mais a ocorrer.

Da mesma forma, deveríamos também colocar na Constituição o mesmo que vigora nos Estados Unidos: quem for reeleito uma vez não poderá mais disputar eleição presidencial. É o caminho para evitarmos o absurdo de ter uma pessoa ocupando mais de 2 mandatos presidenciais na sua vida. Com a possibilidade de, como no caso de Lula, chegar a 4 mandatos.

Para ser bem franco, acho que deveríamos enfrentar o fim da reeleição no país –matéria aliás aprovada por mim na Presidência da Câmara, mas infelizmente parada no Senado Federal. A reeleição foi o maior mal político ocorrido no Brasil, causado pela ambição de Fernando Henrique Cardoso em continuar de qualquer forma no poder.

Já tive a oportunidade de tratar em detalhes sobre isso em artigos anteriores. Contudo, infelizmente, a conjugação de interesses, seja dos ocupantes de plantão dos cargos que permitem a reeleição, bem como a esperança de quem está fora de se eleger e já querer a sua reeleição, levam à acomodação com a situação.

Se Bolsonaro não pudesse ser reeleito, teria sido muito melhor até para ele. A reeleição foi transformada em plebiscito ao 4º ano, de um mandato de 8 anos, para saber se continua ou não. Se não existisse a reeleição, Bolsonaro teria concluído o seu governo de uma forma melhor, não teria a guerra que teve pela frente e, certamente, seria invencível para retornar depois ao mesmo cargo.

O comportamento de Lula neste seu 3º mandato não será diferente do que Bolsonaro fez ao usar de todos os seus esforços para tornar viável a sua reeleição –que poderá ocorrer diretamente ou por meio de sua mulher.

Se não houvesse a reeleição, a mulher dele seria inelegível para o mandato subsequente, só podendo disputar a sucessão de Lula, porque Lula pode ser reeleito.

De qualquer forma, estabelecer idade máxima para disputa eleitoral, proibir nova eleição de quem já foi reeleito para presidente da República, acabar com a reeleição para cargos do Executivo e quem sabe até proibir a eleição de parentes a presidente, governador ou prefeito, em lugar de quem já se reelegeu, são medidas óbvias de discussão do processo eleitoral. Necessárias até mesmo para o aprofundamento da democracia, evitando que nos tornemos uma monarquia ou uma republiqueta de bananas, sem renovação política ou com sucessão familiar.

Senão, seria melhor mesmo voltarmos à monarquia, coroando logo Lula, para que ele possa lá na frente, ter a mulher como herdeira, sem deixar de fazer o “L” a toda hora.

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