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Por que é proibido envelhecer?

Por Renata Souza

Foto: Reprodução/Internet

Sempre digo para os meus alunos que não dá para debater nenhum assunto de forma séria e honesta, sem levar em consideração as variáveis: raça, classe e gênero. Por que digo isso? Porque o lugar social que os indivíduos ocupam, seu gênero e a cor da pele farão total diferença no acesso às riquezas sociais e até mesmo na forma de acesso à cidadania.

A motivação para escrever o texto de hoje não foi só por eu ter encontrado os meus primeiros cabelos brancos, mas a reflexão que fiz, a partir desse fato, sobre como a nossa sociedade lida com o envelhecimento. E, mais uma vez, minha tese se confirma: não dá para falar em envelhecimento, sem levar em consideração as questões de classe, cor e gênero.

Nasci nos idos dos anos 80, mais especificamente em 1982, e não precisa fazer contas, tenho 41 anos! A década foi de muitos acontecimentos marcantes – além do meu nascimento, claro! Sim, o nascimento de filhos era muito importante para o padrão de família da época. Afinal, casar e ter filhos era o projeto de todas, ou da maioria das mulheres de “verdade” do período, o que justifica a angústia de minha mãe em demorar três anos para tal. Nesse período, no Brasil, ao menos nos círculos sociais que minha mãe frequentava, a ideia de feminismo ou de adiar a maternidade em nome de um projeto de carreira era algo impensado, ou melhor, desconhecido.

No cenário mundial, o Brasil perdeu a Copa do Mundo de 1982, por 3×2 para Itália. Também foi a década em que a ditadura militar se esfacelou e tivemos, em 89, depois de 25 anos, a primeira eleição direta. Foi uma eleição pluripartidária, considerada, pelos historiadores, como marco fundador da democracia. Uma nova constituição também foi promulgada no final da década de 80, mais especificamente em 1988, que vigora até os nossos dias. Foi por meio dela que eleições diretas puderam acontecer.  

No que se refere ao cenário da música nacional, temos uma efervescência de bandas, gêneros musicais e artistas surgindo, tais como o Rock Brasil, ou, como gostam os entendidos, o BRock! O cenário de transição de uma ditadura para a democracia foi matéria prima das letras das bandas que surgiram no período. Assim, contestar o status quo através da produção musical se tornou a regra.

Como já disse, nasci nos anos 80. Logo, comecei a minha sociabilidade secundária na década de 90; comecei a ter “maturidade” ou um mínimo de clareza sobre o mundo. Foi um momento em que as influências midiáticas começaram a operar a construção dos meus valores, crenças, gostos e até mesmo opiniões. E hoje escuto essa estória que é o professor que doutrina as criancinhas. Bobinhos!

Fui uma criança desprovida de recursos, que não foi apresentada ao mundo da literatura e para quem a escola não era um lugar legal. Então, a tevê era o que se tinha de mais interessante e acessível. Meu humor foi formado pelos Trapalhões; meu padrão de beleza, pela Xuxa, em sua nave esfumaçada, descendo do teto todos os dias. Aprendi filosofia com a família Dinossauro. Obviamente, cantei ilariê e já quis ser paquita, mas minha mãe sempre me lembrava de que eu era preta. E de onde já se viu paquita preta?

Racismo à parte, quero falar sobre como nossa sociedade é cruel, fugaz e efêmera, quando o assunto é envelhecimento. Um tempo atrás, vi um post da Xuxa. À época, nos altos de seus 57 anos, ela estava sem maquiagem, com cabelos brancos e suas rugas aparentes. Por isso, foi alvo de uma série de críticas, por conta do processo natural de envelhecimento. Xuxa foi vítima da construção social machista e etarista, que coloca a velhice das mulheres como um problema.

Como li no texto “Por que o feminismo precisa discutir etarismo ou idadismo?”, da escritora Joice  Berth: “Envelhecer em uma sociedade capitalista é deixar de ser útil à produção, ao uso”. Logo, é ser descartado, vítima de preconceitos e estereótipos. O preconceito com os mais velhos chama-se etarismo ou idadismo, que, segundo Anita Neri, (professora da FCM/Unicamp), é a forma intolerante que se reflete em comportamentos e atitudes em relação aos idosos. Isto é, na forma como lidamos com os mais velhos.

Os significados do envelhecer para homens e mulheres são diferentes. Homens são considerados charmosos, enquanto nós, mulheres, somos ridicularizadas e “vítimas”, também, da indústria cosmética. Somos bombardeadas com milhões de procedimentos estéticos, de cremes anti-idade, tinturas para cobrir os cabelos brancos, como se envelhecer fosse um pecado.  Caso alguém aqui não saiba, só vai se livrar do envelhecimento, quem morrer jovem.  

E o fato me fez lembrar de um episódio deveras filosófico da Família Dinossauro, chamado “O dia do Arremesso”. Nele, os dinossauros, ao completarem 72 anos, deveriam ser arremessados de um precipício, em um poço de piche. Vejo que nossa sociedade está adotando essa tradição. A forma como as autoridades lidaram com os idosos na pandemia é um indício do descaso com os mais velhos.

A forma como a nossa sociedade lida com o envelhecimento é cruel, em especial para nós, mulheres, que somos, praticamente, proibidas de envelhecer. E quando isso acontece, as marcas naturais do tempo passam a ser usadas como agressão, como um xingamento, um fardo pesadíssimo. Essa sociedade machista valoriza a juventude como um recurso infinito, em que os homens querem se relacionar com mulheres cada vez mais jovens, independentemente da idade deles. Vide nosso último presidente e sua respectiva esposa.  

Só que essa exigência de uma juventude eterna, imposta a nós mulheres, gera uma série de problemas. São problemas de ordem emocional, pela busca de uma aparência jovem para sempre. Temos que começar a questionar a imposição da juventude eterna. Não sou contra nenhum procedimento estético e nem quero determinar a diferença de idade “ideal” para casais. Sou contra a busca doentia, por um corpo perfeito, uma cara eternamente jovem e o “descarte” de mulheres.

Afinal, homens podem se relacionar com mulheres mais novas, mas, quando Ana Maria Braga, Suzana Vieira e Fátima Bernardes exibem seus “jovens” namorados, são alvo de duras críticas. Precisamos quebrar o padrão machista que condiciona o valor de uma mulher a sua pouca idade e à branquitude da sua pele.

Envelhecer é ser testemunha ocular da história. É ter experiências de vida que só são adquiridas com o passar dos anos. Envelhecer é alcançar a dádiva da maturidade. É enxergar a vida de uma forma menos complexa. É ver o quanto já fomos cruéis com a gente mesmo. É reconciliar-se com nós mesmos. Envelhecer é, para alguns, se despir de preconceitos, é aceitar e aprender diariamente. E isso tudo deixa marcas.

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