Todos os modelos de previsão do tempo preveem chuvas extremas a partir de sexta-feira no estado do Rio de Janeiro. Tão extremas que levaram o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) a alertar nesta quarta-feira a Defesa Civil para uma intensidade similar à da tragédia da Região Serrana, em janeiro de 2011. O risco de deslizamento na Serra Fluminense está numa raríssima categoria máxima para o sábado. O cenário pode mudar porque o tempo está muito instável, mas a população precisa estar de sobreaviso, destaca o diretor de Operações do Cemaden, o meteorologista Marcelo Seluchi.
Quais as regiões de maior risco?
As regiões em maior risco de temporais com potencial de devastação são a Metropolitana, a Serrana e o litoral Sul. Mas o foco de nossa preocupação é a Região Serrana. A partir de sexta-feira e, em especial, no sábado, o risco para ela está na categoria 6, a máxima de perigo de uma ferramenta desenvolvida pelo Cemaden.
E como funciona essa ferramenta?
Ela é um instrumento de previsão de risco de deslizamentos. É mais precisa porque considera não apenas a previsão de chuva para um dia, mas também o volume previsto ou observado nos dias anteriores; particularidades geográficas e geológicas, como declividade de encostas; e a presença de população vulnerável. A Região Serrana está no nível máximo. A última vez que vimos esse nível foi na tragédia do litoral de São Paulo, no ano passado. O risco de deslizamento é maior na Serra devido às montanhas, mas também pode chover muito forte, um volume semelhante, na Região Metropolitana e no litoral Sul do estado.
E qual o volume de chuva previsto?
Os volumes de chuva podem variar, dependendo da localidade. Mas é prevista chuva acima de 200 mm por dia. Chuva acima de 50 mm dia já é considerada muito intensa, capaz de provocar enxurradas, deslizamentos e inundações.
Alguns serviços meteorológicos falam de chuvas acima de 300 mm/dia, alguns de até 500 mm. O que podemos esperar?
O limite das previsões dos modelos de previsão é na faixa de 200 mm a 300 mm diários, o que já é muita, muita coisa. Um modelo nunca vai prever 500 mm diários. Mas isso não quer dizer que seja impossível de ocorrer, que possa ser descartado. Foi o volume que caiu no ano passado no litoral de São Paulo.
O quanto de certeza temos sobre essas chuvas?
Estamos monitorando desde segunda-feira. Mas os modelos divergiam. Agora, todos coincidem em projetar chuvas extremas e por isso alertamos a Defesa Civil Nacional. Claro, a intensidade e as localidades mais afetadas podem ainda mudar porque o tempo está muito instável. Mas não há dúvida de que as chuvas virão fortes e a população precisa estar de sobreaviso. Se a situação meteorológica não mudar, há grande potencial para tragédias, sobretudo, deslizamentos.
O Cemaden foi criado depois da tragédia da Região Serrana, em 2011, e normalmente é bastante austero em seus alertas. Vocês estão muito preocupados agora. Por quê?
Infelizmente, o cenário é de uma situação meteorológica parecida com a que tivemos em janeiro de 2011. Hoje é quarta-feira e os modelos podem mudar. Queríamos muito que isso ocorresse. Mas, pelo que se vê neste momento, não há dúvida que a chuva virá forte.
Vocês recomendaram a evacuação da população em risco?
Essa atribuição é da Defesa Civil, alertamos para o risco de desastres. Mas é impossível tirar tantas pessoas de áreas de risco, porque são milhares de pessoas. Mas estar de sobreaviso ajuda muito a evitar mortes.
O que causa essa chuva?
A chuva extrema será resultado da passagem de uma frente fria rápida, mas poderosa, já com características de outono, com uma massa de ar quente e úmido, que há mais de uma semana causa calor intenso no estado do Rio. É isso que os modelos de previsão consideram. Mas ela pode ganhar ainda mais força.
Por quê?
Porque o Oceano Atlântico está muito quente. O mar quente joga mais vapor na atmosfera, combustível para alimentar nuvens de chuva. O Atlântico quente teve um papel importante em Petrópolis e Angra, em 2022. A frente fria vai passar por São Paulo, mas para o Rio, o perigo será maior. Talvez também atinja o Sul de Minas Gerais e o Espírito Santo.
Por que no estado do Rio de Janeiro o perigo será maior?
Porque ela ficará estacionada no estado, chovendo com muita intensidade por pelo menos um dia inteiro. Mas não sabemos exatamente o quanto de volume e por quanto tempo. Não sabemos, por exemplo, se essa frente se transformará numa Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) na próxima semana. Esse seria o pior cenário. Mas é prematuro afirmar isso, os modelos ainda têm imprecisões. Essa frente nesse formou ainda.
Ela está em que momento?
Ainda começando a se formar, na altura do Uruguai.
E quando começa a chover forte?
A chuva começa ainda na madrugada de quinta-feira, mais forte em São Paulo. Na sexta-feira chove forte no Rio de Janeiro, mas os volumes mais elevados foram projetados para o sábado. Os modelos meteorológicos têm algumas divergências, mas todos coincidem em volumes de chuva muito elevados no sábado em todo o estado. Ainda temos algumas dúvidas.
Quais?
A dúvida, por ora, é que como se trata de uma frente fria muito rápida, os modelos podem errar no momento em que ela virá, adiantar ou atrasar. E também as áreas mais afetadas. Não há dúvida que o estado do Rio será atingido. Mas pode ser que ela se estenda até o Espírito Santo e o Sul de Minas Gerais, além do litoral de São Paulo. Esse é um mês perigoso.
Por quê?
Março é um mês muito traiçoeiro porque mistura características do verão, como o calor intenso e umidade, com a passagem de frentes frias mais intensas, típicas do outono. Por ora, não podemos precisar detalhes de hora e regiões, mas sabemos que a chuva virá muito forte. Estamos preocupados e é importante alertar a população.
Essa chuva tem alguma relação com El Niño e mudanças climáticas?
Só muito indiretamente. Estamos numa onda de calor e elas são mais frequentes tanto em função de mudanças climáticas quanto de El Niños. O ar mais quente retém mais umidade, aumenta o potencial de chuvas intensas. O oceano também está mais quente e isso é um sinal de mudanças climáticas, o que também aumenta o vapor disponível para formar chuvas. Se ocorresse exatamente a mesma frente fria que vai passar agora há cem anos, ela teria menos potencial de provocar chuva porque a atmosfera e o oceano não estariam tão quentes.
Fonte: O Globo