Saúde mental se faz em bando: se adoecemos sozinhos, vamos nos cuidar como coletivo

Por Lyandra Alves

Foto: Reprodução

Em 2022, uma consultoria fez um levantamento com 3 mil funcionários de empresas de diferentes tamanhos e setores para entender o estado emocional dos trabalhadores brasileiros. Os resultados da amostra revelaram que 80% dos trabalhadores relataram se sentir esgotados, o que acendeu um alerta geral: estamos cansados, e isso não se reduz mais a um aspecto físico.

É o que chamamos de esgotamento mental. Isso ocorre quando a exposição constante a situações de estresse nos levam ao limite emocional, fazendo com que a sensação de tensão persista mesmo quando deixamos um contexto degradante. Trata-se de uma fadiga mental crônica e prolongada, que não se resolve com cochilo ou férias. Também é preocupante que uma parcela tão grande dos trabalhadores estejam convivendo com isso.

Embora essa condição seja similar ao burnout, elas tratam de transtornos mentais distintos. Enquanto a síndrome de burnout é o estresse excessivo causado por situações relacionadas ao trabalho, o esgotamento mental é provocado por pressões que se originam no âmbito financeiro, familiar, social, afetivo, cultural, etc. Ambas geram sintomas como ansiedade, depressão, sensação de desesperança e até doenças fisiológicas.

Durante a pandemia, as mudanças nas dinâmicas da sociedade, como o isolamento social e a crise econômica e sanitária aumentaram dramaticamente os índices de esgotamento mental. Entre as mulheres, esses fatores se associaram a sobrecarga nos trabalhos domésticos e de cuidado, e como resultado, 45% foi diagnosticada com algum transtorno psíquico. Mas os problemas não se encerraram com o fim do período pandêmico, e nem começaram com ele.

O processo de fragmentação do trabalho é o principal responsável por essa tendência, porque criou configurações trabalhistas que remuneram mal, mantém trabalhadores e trabalhadoras desprotegidos e afetam todas as áreas de suas vidas, expondo-os à vulnerabilidade. Segundo o IBGE, atualmente no Brasil existem 39 milhões de trabalhadores informais, mas mesmo entre os que possuem algum vínculo empregatício, 60% recebem até um salário mínimo.

Além das péssimas condições de trabalho e dos baixos salários, o novo modelo de mercado apela para o individualismo e para a cultura da competitividade por meio de estruturas sociais que se estendem para além das relações de emprego e encontram seu auge na década de 2020. Metas intermináveis, planos inalcançáveis, sonhos cada vez mais distantes – reconhecemos cada vez mais que estamos esgotados, mas não apenas isso: uma em cada quatro pessoas do mundo se sente solitária e um terço dos brasileiros também se sente ansioso.

Falar e agir em favor da saúde mental se tornou crucial, mas como um aspecto intrinsecamente ligado a condições de vida, é preciso levar esse debate um pouco além de suas superfícies. A própria Organização Mundial da Saúde reitera que, enquanto um estado de bem-estar vivido, a saúde mental depende de aspectos psicológicos, emocionais, sociais, ambientais e econômicos – e o esgotamento mental é um claro exemplo de como esses fatores estão relacionados. Talvez seja hora de falar em cuidados psicossociais.

Uma abordagem psicossocial tem como foco o sujeito e o coletivo, atuando de forma intersetorial através do território e privilegiando a criação de redes sociais. Forçados ao isolamento, tornar a atenção e o cuidado psicossocial formas de retomar o controle das nossas relações são alternativas que oferecem soluções a problemas provocados pelo esvaziamento – tanto das pessoas como dos espaços de encontro, da cidade, do lazer, enfim, da vida nos grupos.

É verdade que no mundo dos esgotados e isolados, a falta de dinheiro, de tempo e o estigma também ditam as regras. Mas uma solução coletiva também oferece formas criativas de superar esses obstáculos. São os encontros espontâneos entre dois, a conversa na esquina, o evento cultural no bairro, o café na casa do amigo. É a criação de espaços seguros, ou o aquilombar-se das pessoas negras: se reunir com pessoas queridas em lugares que trazem conforto, criando um ambiente de acolhimento em amplo sentido. Isso simboliza também reconstruir pequenos momentos de uma vida coletiva forçada a ser esquecida. Não é psicoterapia, mas tem potencial terapêutico e reforça características psicossociais.

Contudo, isso nem sempre é suficiente, e é por isso que a ajuda profissional especializada é necessária. Mesmo que falte dinheiro, nós sempre teremos a Rede de Atenção Psicossocial, vinculada ao Sistema Único de Saúde, e cada vez mais profissionais aderem ao valor social em suas consultas. É aí que outra barreira se ergue – o estigma, que nasce do preconceito e do medo daquilo que não se conhece.

O convite final é para pensarmos que o esgotamento mental nos revela que há adoecimentos que, provocados por problemas estruturais, atingem uma enorme parcela da população. Essas pessoas precisam de ajuda. Entendemos a origem dessa dor e vimos que não há vergonha nela. A única insanidade, feiura ou fraqueza está em como a sociedade se organiza e tortura relações e sujeitos. É um mar que, como se vê, não foi feito para se afogar.

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