Hay gobierno?

Inércia em caso de cancelamentos unilaterais de planos de saúde expõe ausência do governo; derrotas no Congresso evidenciam falta de apoio, escreve Eduardo Cunha

Por Eduardo Cunha

Foto: Reprodução

Estamos vivendo um momento bem delicado no país, no qual a polarização está a cada dia mais acirrada, principalmente pela atitude do presidente Lula de estímulo a essa prática, bem delineada no estilo “herança maldita”, que ele sempre quer atribuir aos seus antecessores, somada à discussão de pautas ideológicas.

Lula, que foi eleito com a proposta de pacificação, acabou se transformando na peça bélica do confronto, ressuscitando politicamente o adversário que derrotou, na medida em que tentou provocar o seu enterro.

Na realidade, o único adversário que Lula poderia derrotar na próxima eleição seria justamente quem ele derrotou em 2022. Lutou e conseguiu tirá-lo de 2026, mas não vai conseguir retirar dessa eleição a oposição a ele, que cresce a cada dia.

Só que esse quadro vem se tornando mais grave, pois é nítida a ausência de base congressual para apoiar o seu governo, além da também evidente ausência do próprio governo no enfrentamento dos problemas cotidianos da administração pública e da implementação das políticas públicas.

CANCELAMENTO DE PLANOS DE SAÚDE

Na semana passada, tivemos um bom exemplo dessa ausência de governo, com relação ao episódio de cancelamento de planos de saúde, de idosos, doentes e até de crianças autistas, por parte de inescrupulosos empresários, que visam só ao lucro imoral, às custas do sofrimento da população.

Afinal, qual é a consequência desse cancelamento? Não seria obrigar todos a irem para a rede pública? 

Isso não é uma forma de cartelização da saúde privada, em que um plano cancela e o outro plano, que poderia ser acionado, simplesmente recusa ou pode aceitar com restrição a doença já existente, impedindo o custeio do tratamento necessário.

Como fica o cidadão? Mesmo tendo renda para pagar um caro plano de saúde, se vê obrigado a depender da rede pública do país. Como ficam os que não podem pagar um plano de saúde, que já sofrem na rede pública e, agora, terão a concorrência no atendimento daqueles que não precisariam estar na rede pública? O que fez o governo com relação aos planos de saúde? Nada, absolutamente nada.

Lula deveria, ao menos, perguntar ao seu grande amigo, que acabou de comprar uma das maiores empresas de plano de saúde do país: se o negócio estava tão ruim assim, por que foi investir bilhões na compra dessa empresa, inclusive assumindo dívidas enormes, com financiamento bancário, nos nossos juros bem convidativos para o empreendimento?

Além disso, estamos falando da área de saúde, tão sensível aos brasileiros, a qual Lula usou na campanha eleitoral, tentando desqualificar a gestão de Bolsonaro da pandemia da covid-19.

Lula colocou uma ministra da Saúde absolutamente ineficaz, a não ser para transferir emendas para a prefeitura em que seu filho passou a trabalhar.

O que dizer do combate à dengue de agora? Muitas famílias já perderam entes queridos sem que o governo tivesse o desempenho que deveria ter. Diligência que não tem, mas que cobrou que Bolsonaro tivesse durante a pandemia.

Como o governo não fez nada, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira precisou fazer algo. Afinal, a Câmara representa a sociedade, que está sofrendo as consequências desses absurdos, e até mesmo criminosos, cancelamentos de planos de saúde.

Ou seja, na ausência de governo, uma Casa Legislativa tem de assumir o governo de fato. Se houvesse governo, seria desnecessário, pois bastariam atos administrativos para obrigar essas empresas a reativar os planos, sob risco de cancelamento da autorização de funcionamento. Era o caso até de intervenção, se a determinação não fosse atendida.

Alguém se esqueceu que essas empresas têm de ter reservas atuariais para cobrir os gastos com os planos de saúde dos seus associados? Bastaria bloquear parte dessas reservas para assegurar a cobertura dos planos cancelados e obrigar o atendimento dos beneficiários pela rede conveniada.

Não dá para assistir ao governo quieto enquanto essa barbaridade está sendo cometida contra idosos e pessoas doentes, algumas em estágio terminal, tendo de buscar autorização judicial para tentar sobreviver.

Essa situação chega a ser quase um processo de tentativa de homicídio, ou até mesmo genocídio, por parte desses empresários, que querem o retorno de capital investido. Na prática, os planos de saúde estão jogando as pessoas no cemitério sem que o governo faça algo.

Todos sabemos que existem problemas com relação aos planos de saúde individuais, nos quais não existe renovação da oferta a novos clientes. Assim, é óbvio que a carteira fica envelhecida, criando mais despesas com atendimento do que a receita que ingressa com as prestações pagas.

Nós pagamos por muitos anos o plano de saúde sem usar, dando lucro a empresa, justamente para, em um momento que certamente todos precisarão, na velhice (todos ficaremos velhos e sofreremos alguma coisa, que criará despesa maior do que a receita da prestação do plano), termos esse plano para obter um mínimo de dignidade e possamos adiar, ao máximo, a morte inevitável que virá para todos.

Por que vamos ter um plano de saúde caro, pago por muito tempo, se temos de ficar orando para não ficarmos doentes, com o risco de ser cancelarem o plano?

Dessa forma, é melhor ficar orando para não ficar doente sem pagar o plano. Ao menos guardaremos algum dinheiro para pagar a conta do hospital, que o plano não irá pagar quando envelhecermos.

O POSSÍVEL REAJUSTE

O que querem fazer as empresas de planos de saúde? Querem, simplesmente, reajustes acima da inflação das prestações dos planos individuais, que são controlados pela agência governamental de saúde. Se conseguissem isso, aumentariam bastante os preços dos planos individuais, rateando o custo elevado de alguns planos deficitários para todos os associados.

O que eles querem é, além de manter o lucro de quem já dá lucro, socializar o prejuízo de quem passou a dar prejuízo com aqueles que dão lucro naquele momento.

Como não conseguem, preferem a lógica de ficar com os associados enquanto eles são jovens e dão lucro para chutá-los para fora quando ficam velhos, ou até mesmo adquirem alguma doença complexa, que cria despesa elevada para os planos. Imaginem só pessoas em tratamento de câncer terminal, algumas hospitalizadas, ficarem da noite para o dia sem a cobertura do plano de saúde que pagaram a vida toda.

Caso as empresas de plano de saúde consigam a autorização para reajustes acima da inflação dos planos individuais, teremos outro problema. Como as pessoas conseguirão pagar reajustes abusivos, que visam simplesmente a tentar expulsar dos planos aqueles associados que dão muita despesa?

Claro que algo deve ser feito, mas é preciso estudar o que realmente está se passando. Desculpas de fraudes não podem ser aceita, pois, para isso, existem controles, que devem ser aperfeiçoados para evitá-las.

Não adianta também a desculpa de que decisões judiciais estão aumentando o tamanho da cobertura e, com isso, aumentando os custos. A pergunta a se fazer é a seguinte: como o associado vai poder pagar um medicamento caro de câncer, por exemplo, que o plano se recusa a pagar?

Além disso, é nítido o movimento das empresas de planos de saúde de terem os seus próprios hospitais, em que, além do controle das fraudes, têm o custo dimensionado na despesa do plano. Se eu tenho um hospital voltado exclusivamente para o meu plano de saúde, o custo total do funcionamento desse hospital já está sendo arcado pela empresa, não importando quem use mais ou menos o plano.

Tem outro ponto. Essas empresas funcionam como seguradoras, recebendo, na verdade, a prestação como prêmio de possível sinistro. A pergunta que se quer fazer é: essas empresas vão devolver aos associados as prestações pagas por eles nos tempos em que deram lucro?

Imaginem só a comparação com a Previdência, em que o governo ou um plano de previdência privada resolvessem cancelar o direito ao benefício às vésperas da respectiva aposentadoria. Como faria o cidadão nesse caso, depois de ter contribuído anos a fio, ficando sem o direito à aposentadoria?

Não existe parâmetro para esse absurdo que estão cometendo, e fez muito bem a Câmara ao assumir um governo ausente.

CONTAS PÚBLICAS E O IMPOSTO DAS “BLUSINHAS”

Esse mesmo governo, que em tese seria dos trabalhadores, resolveu, ao contrário de defender o trabalho no Brasil, proteger os trabalhadores chineses. Defendeu manter a taxa zero de importação para compras de até US$ 50, das chamadas, ironicamente, “blusinhas”, em referência ao desejo da primeira-dama, que virou a defensora dessas importações baratas, que além de fecharem postos de trabalho no país, diminuem a arrecadação tributária no pior momento das contas públicas.

A dívida pública do Brasil, por causa do elevado deficit fiscal, aliado às altas taxas de juros, atingiu 76% do PIB (Produto Interno Bruto) em abril, chegando a R$ 8,4 trilhões. Só em 2024, a dívida subiu, até abril, 1,6% do PIB.

A despesa pública vem crescendo significativamente e já é nítida a percepção de que a famosa Reforma da Previdência, de 2019, de nada adiantou para o controle do crescimento do deficit da Previdência.

Na prática, aquela reforma não mexeu com privilégios do setor público. Só alcançou a classe média baixa, que vai ser condenada a se aposentar pelo salário mínimo enquanto os aposentados pelo setor público continuarão a se aposentar pelo seu salário pleno. E sabe-se que a correção do salário mínimo acima da inflação, acaba aumentando o deficit, tornando insustentável um modelo que já está falido faz tempo.

Isso é mais um exemplo da ausência de um governo que em vez de combater o deficit público, acabou com o teto de gastos e trouxe uma pirotecnia de arcabouço fiscal, cheio de exceções, que jamais será cumprido.

Agora, alguma proposta de corte de gastos? Nenhuma.

Além do necessário aumento de arrecadação, é absolutamente contraproducente essa política de isenção de “ blusinhas” chinesas.

Durante o período da ditadura, o país teve uma política de substituição de importações, visando à estimular a indústria brasileira para criar empregos e renda. Á época usou-se de alíquota alta, proibição de importações e financiamentos subsidiados. Com o fim da ditadura, Collor introduziu o conceito da globalização, quando começou a criticar, e em seguida liberou todas as importações.

Lembram-se de como ele batizava os carros produzidos no país de carroças? Pois bem, as importações foram abertas, mas com imposto de importação, em patamares internacionais, com o objetivo de dar um diferencial para que se pudesse manter a produção, mas obrigando as indústrias a se modernizarem e produzirem com tecnologia para serem competitivos com os produtos de outros países.

O resultado disso foi um avanço na produção, passando o Brasil, no caso de veículos, a ser também grande exportador.Hoje, compete em igualdade de condições.

Aí, do nada, sem objetivo nenhum, vem um governo, que deveria defender a produção nacional, isentar a importação das “blusinhas” simplesmente para atender a um desejo da mulher do presidente. Sem qualquer ganho para a sociedade, como empregos e receita tributária, sepulta de vez parte da indústria brasileira.

É preciso ter a clareza de que um dos grandes gargalos na nossa produção é o elevado custo trabalhista. Os chineses, que não têm as nossas regras, simplesmente produzem com um custo muito mais barato que o nosso.

IMPOSTO PREVIDENCIÁRIO

No Brasil, ser empreendedor se tornou um risco, pois é difícil a decisão de abrir um posto de trabalho formal, que deixou de ser investimento, para virar risco de passivo certo. É por isso que houve uma escalada do emprego informal, que acaba por aumentar o deficit da Previdência ao diminuir bastante a arrecadação com o imposto previdenciário.

Por isso, cobrar o imposto previdenciário de forma que o número de empregados não tenha influência, como por exemplo sobre o faturamento das empresas, como na desoneração, é bastante importante. Tratei disso, recentemente, neste outro artigo neste Poder360.

Agora, ficou sem nenhum sentido Lula disputar para manter a isenção das “blusinhas”. Acabou derrotado pelo Congresso, que está tentando estabelecer uma alíquota de ao menos 20%, ainda insuficiente para assegurar alguma proteção à indústria nacional.

Essa derrota de Lula se associa a outras derrotas na semana passada, quando vetos de pautas ideológicas foram derrubados pelo Congresso, mostrando a fraqueza de um governo sem base congressista, mas disposto, mesmo assim, a enfrentar pautas que as minorias querem impor à maioria.

É um governo ausente na saúde, no Congresso, na economia, na proteção da indústria e, como não poderia deixar de ser, na política externa.

Na mesma hora em que um brasileiro é encontrado morto, depois de ser sequestrado e assassinado pelos terroristas do Hamas, Lula resolve retirar de vez o embaixador do Brasil em Israel, fruto da crise de seu apoio aos terroristas.

Será que eu entendi errado o recado?

Vou parar por aqui, porque o espaço está acabando e o governo também.

Ao menos as mulheres que morrerem, vítimas das criminosas empresas de planos de saúde, ainda vão conseguir ter à disposição as blusinhas da Shein, só com 20% a mais, para as suas famílias usarem nos seus enterros.

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