Política e economia em um governo ruim

Com minoria congressual e sob a batuta de um ministro tentando rebolar para não descumprir a orientação de aumentar gastos eleitoreiros, Lula 3 entrou em letargia, escreve Eduardo Cunha

Por Eduardo Cunha

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Não é novidade para ninguém que o governo Lula é minoritário no Congresso –até mesmo porque todos sabemos que Lula venceu as eleições para presidente em 2022 não por uma vitória das suas ideias ou do seu programa de governo, mas sim pela rejeição pessoal do seu adversário. Isso não significa necessariamente que o eleitor rejeitava as ideias ou o programa de governo derrotado nas urnas.

Ocorre que o Congresso foi eleito com visão majoritária voltada às ideias e programas que perderam a eleição presidencial, mas permanecem predominantes na sociedade, refletindo exatamente o seu tamanho na composição do Congresso, principalmente na Câmara dos Deputados.

Se pesquisarmos números das legislaturas anteriores, verificaremos que a base congressual real, verdadeira seguidora do PT nos mais duros embates, se deu praticamente com o mesmo número de apoiadores ao longo do tempo, não chegando a 140 deputados, número que representa o real tamanho do governo hoje na Câmara.

Eu tive a oportunidade de analisar isso, com detalhes, no meu livro “Tchau, querida: o diário do impeachment“, onde mostrei que o número de votos favoráveis a Dilma no processo de seu impeachment (137) era exatamente dentro desse universo. É o mesmo número obtido em vários outros momentos, onde os embates ficavam restritos entre o PT e os demais.

Logo, não é nenhuma surpresa que o governo atual não consiga constituir maioria em quase nada, sofra contundentes derrotas, só logrando êxito em pautas econômicas com o objetivo de salvar o Orçamento para que ele possa ser compartilhado entre os poderes e não somente para as políticas eleitoreiras do PT, que quer impor a sua agenda no país.

Depois dessa introdução, é possível compreender a razão pela qual não adianta dar ministérios a partidos, já que isso não garante resultado favorável a qualquer votação –principalmente aquelas em que o deputado tem de votar contra as ideias que pregou na sua campanha eleitoral, bem como contra a vontade do eleitorado que o elegeu.

Do que adianta ministério para deputado? Na maioria das vezes, absolutamente nada –pois geralmente quem se beneficia do ministério é apenas o ministro.

Veja o exemplo do ministro dos Portos e Aeroportos, onde o seu pai fica comandando informalmente uma empresa do ministério no Rio de janeiro, sendo que o Estado de origem da família é Pernambuco. Outros exemplos poderiam ser dados, mas não é o caso deste artigo.

O que tem de ser ressaltado é que o deputado só procura ministério para defender as suas bases, hoje muito mais asseguradas pelas emendas parlamentares, que não dependem de ministro algum para serem concedidas.

Ou seja, um deputado hoje tem independência para se posicionar, pois não precisa se curvar à liberação de emendas para atendimento da sua base. Essa prática acabou quando houve a implantação das emendas impositivas ao Orçamento para livre distribuição pelos deputados –prática essa decorrente de emenda constitucional aprovada definitivamente na minha gestão como presidente da Câmara.

Por isso não adianta cobrar ministro ou dar ministério novo que nada vai mudar o curso dessa situação, salvo se a sociedade mudar e resolver dar a maioria nas eleições legislativas às ideias e programas do PT, coisa que não me parece ser muito crível no momento.

Aliás, o mais provável é que, em 2026, finalmente possamos ter um encontro entre as ideias da sociedade espelhadas no Congresso e a sua escolha para presidente da mesma forma, sinalizando o que me parece muito provável de ocorrer: Lula perder a reeleição.

Até porque todos sabem que o PT dá os ministérios mas controla a máquina, ficando os ministros com pouco poder para fazer quase nada.

Esse suposto compartilhamento de governo serve apenas para tentar sinalizar aos mercados que existe uma coalizão governamental e que o governo não terá risco de ser derrubado por um novo processo de impeachment.

No mais, a ideia –que em algum momento do passado já vingou– de que os partidos que estão no governo farão parte da campanha de reeleição de Lula é um “sonho de uma noite de verão”. Se alguém acha que PP, União Brasil ou Republicanos estarão na aliança eleitoral de Lula é, no mínimo, duvidar da inteligência dos seus dirigentes de manter o seu instinto de sobrevivência.

A aliança de Lula nas eleições ficará restrita aos seus partidos satélites, e isso depois de uma fragorosa derrota que lhe será imposta nas eleições municipais deste ano, somada à vitória de Trump nos Estados Unidos e às recentes vitórias da direita em todo o mundo.

O Brasil não tem outra solução política que não seja a introdução do parlamentarismo, ou até mesmo do chamado semipresidencialismo.

Evidentemente que não dá para conviver com o corner que o governo toma todo dia, mas também não há o que fazer, pois o governo só conseguirá maioria quando executar as políticas que os vencedores das eleições legislativas desejam para o país.

O parlamentarismo ou o semipresidencialismo darão capacidade de governo a quem vencer as eleições, caindo o governo na hora que perde o apoio no Congresso, formando um novo governo ou convocando novas eleições para resolver o impasse.

Isso pode ser feito se elegendo um presidente, ficando ele como comandante do país –como acontece em regimes parlamentaristas, com funções de Estado, mas as funções de governo ficam com o primeiro-ministro, escolhido pela composição política majoritária, obrigada a lhe dar apoio.

Essa discussão terá de ser feita no país mais dia, menos dia, senão chegaremos a um impasse de total ingovernabilidade, seja para que lado da polarização esteja ocupando o governo. Enquanto não chegamos a isso, vamos convivendo com as nossas agruras diárias

Temos um governo que não se conforma com a realidade política e econômica, tentando de toda a maneira impor a sua vontade, mesmo sem maioria no Congresso. Por isso, coleciona derrotas e mais derrotas, podendo vir a colecionar muitas outras ainda até se tornar absolutamente inviável politicamente, restando como cadáver insepulto até as próximas eleições presidenciais.

Dentre as muitas derrotas, uma vem se transformando em uma grande crise, que retrata bem a dificuldade de se igualar as agendas do governo com a sociedade.

Como já abordamos por aqui no artigo “As muitas falácias da desoneração”, o governo começou perdendo no projeto de prorrogação da desoneração da folha de salários. Em seguida, vetou o projeto, tendo o seu veto sido derrubado pelo Congresso em nova derrota. Isso com o projeto da Lei Orçamentária de 2024 votado já com a previsão dessa receita limitada com a prorrogação da desoneração.

O governo sanciona o projeto sem colocar qualquer veto sobre algo que influenciasse essa previsão da receita.

Depois, o governo entra no STF, consegue uma liminar, suspende a prorrogação dessa desoneração usando o argumento de que não havia previsão de compensação para uma suposta perda com essa prorrogação.

Seguido de um acordo político para suspender a suspensão, o STF concede um prazo para ter uma compensação definida –que, em função da aprovação da Lei Orçamentária Anual, seria desnecessária.

Aí entra mais uma demonstração de todo o conjunto de equívocos patrocinados pelo ministro da Fazenda para tentar driblar a orientação do governo de não reduzir qualquer gasto, mas simplesmente aumentar a receita de qualquer forma.

Lula, inclusive, causou um terremoto nos mercados na semana passada ao palestrar afirmando que se busca o ajuste somente pelo aumento das receitas.

O mercado entendeu exatamente a realidade de que esse governo não quer reduzir qualquer gasto, mas sim um aumento de investimentos em seus programas eleitoreiros –sem ter recursos para isso.

Como eu venho falando faz tempo, Haddad tem se tornado na prática um secretário da Receita Federal no lugar do seu verdadeiro cargo.

Ele adotou a pauta da Receita Federal de tentar sugar cada dia mais o contribuinte, inventando normas que visam simplesmente cobrar mais tributos.

Haddad vem também com a mesma tática de jogar no colo do Congresso uma série de medidas absurdas para, depois de colocar “o bode na sala”, retirá-lo na expectativa de obter algum ganho ao conter ao retirar o mau cheiro. Todos já perceberam essa prática e parece que encheram o saco.

Assim, para atender à “demanda” do STF, Haddad envia uma nova medida provisória em que simplesmente impede que empresas que tenham créditos de PIS/Cofins recebam do governo e não possam mais abater dos outros tributos a serem pagos, sendo condenadas a financiarem o governo a custa de juros elevados que impactam os seus negócios.

O Congresso, que não tem mais paciência com essas medidas de Haddad enviadas sem aviso prévio, resolveu devolver a medida provisória, desgastando ainda mais o governo como um todo e sinalizando ao mercado a fraqueza em que se coloca o ministro da Fazenda.

Agora tentam buscar uma série de outras propostas para essa desnecessária compensação, que no final pode acabar não ocorrendo, e curiosamente acabar dando uma vitória a Haddad de acabar com a prorrogação da desoneração usando o Poder Judiciário para compensar a minoria no Poder Legislativo.

Os erros de política e de economia são tantos que as consequências são imprevisíveis.

Vamos começar na origem, onde o governo ainda não estava instalado e tinha pressa para acabar com o teto de gastos.

Para isso, promoveu uma emenda constitucional, aprovada a toque de caixa, prevendo o fim do teto e as regras para 2023, com o perdão de gastos à vontade, remessa da decisão do novo método de controle fiscal para lei complementar, dando prazo para o Poder Executivo apresentar em até 180 dias esse novo modelo –que seria chamado arcabouço fiscal.

Só que, na ânsia de aprovar, cometeram um grave erro técnico, pois só se preocupavam em se salvar em 2023. Simplesmente esqueceram que existe uma vinculação constitucional de gastos em saúde e educação de parte da receita, vinculação essa que não seria problema com a vigência constitucional do teto de gastos.

Como o novo arcabouço foi aprovado por lei complementar, não se poderia mais tratar de desvinculação desses gastos das receitas, salvo numa nova emenda constitucional somente para essa finalidade.

Além disso, colocaram a previsão de que 70% do acréscimo da receita poderia se transformar em gastos novos, limitados a 2,5% ao ano.

Na medida que permaneça as vinculações constitucionais, esse acréscimo de gastos previstos no limite de 2,5% ao ano serão obrigatoriamente vinculados em sua maioria à saúde e educação, jogando no ralo as expectativas dos programas eleitoreiros do PT, a partir já de 2025, onde inclusive termina a prorrogação da DRU (Desvinculação das Receitas da União, prevista no art. 76 do ADCT da Constituição).

A ânsia do perdão para o deficit de 2023, a inexperiência da equipe econômica e a falta de estratégia política levaram ao erro que agora custará caro ao governo tentar consertar, já que terá que obrigatoriamente aprovar uma nova emenda constitucional, ainda neste ano, a um custo político incalculável.

Estamos vivendo as consequências na prática do conjunto de erros, onde o dólar dispara, os juros vão parar de cair e o volume de saída de dinheiro da Bolsa, somente neste ano, já passa de R$ 43 bilhões, dentre outros fatores de alarmes nas expectativas da economia.

Além disso, nos deparamos com o aumento dos gastos previdenciários, mostrando que a tão falada Reforma da Previdência de 2019 foi por água abaixo, sendo necessária uma verdadeira reforma para combater efetivamente os privilégios do setor público, sob pena de ficar inviável caber o aposentado no Orçamento.

Isso sem contar que essa reforma foi ruim para as contas públicas e ainda prejudicou –e muito– a classe média baixa, que só vai conseguir se aposentar com o salário mínimo, em detrimento de parte dos privilegiados do setor público, que se aposentam com os seus salários cheios, embora todos contribuam para a previdência da mesma forma.

Isso será o Robin Wood às avessas, tirando dos pobres para dar aos ricos –ou, contradizendo a frase de Lula, vão acabar tirando os pobres do Orçamento para os ricos continuarem a receberem.

Enquanto isso, a dívida pública continua a crescer. Não poderia ser diferente. Basta uma simples conta matemática: temos hoje uma dívida de cerca de 76% do PIB (Produto Interno Bruto), com uma taxa de juros de 10,50%, o que significa consumir quase 8% do PIB em juros no ano, acrescido do deficit das contas públicas, que gera obrigatoriamente aumento da dívida.

Como pagar essa dívida, ou ao menos reduzi-la, se os gastos não caem, além do país não crescer o suficiente para compensar os juros com aumento de receita?

A verdade é que temos um governo ruim, em minoria congressual, com um comandante da economia tentando rebolar para não descumprir a orientação de Lula de aumentar gastos para os investimentos eleitoreiros.

Um governo ruim dificilmente consegue produzir coisas boas.

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