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Os prós e contras da reforma tributária

Aprovação é uma vitória pessoal de Arthur Lira e traz simplificações importantes, mas deixou se levar por lobbies e não aproveitou a chance de sanar as dívidas dos Estados, escreve Eduardo Cunha

Por Eduardo Cunha

Foto: Divulgação

A aprovação da regulamentação da reforma tributária, na semana passada, pela Câmara dos Deputados, pode ter marcado o fim de uma era de discussões federativas, na disputa de impostos, e sem dúvida alguma foi uma vitória pessoal do atual Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.

Todos que passaram por este cargo nos últimos anos, incluindo eu, tentaram de alguma forma, introduzir essa discussão sobre aprovar uma reforma tributária, porém sem sucesso, cada um devido a fatores do momento, das condições políticas ou da economia.

Só por esse fato, a vitória de lira foi bastante significativa, o que certamente marcará a sua gestão na história.

Sempre é muito difícil legislar envolvendo as disputas federativas, os problemas de natureza política e ideológica, somados aos interesses de setores econômicos, além dos regionais.

É claro que a obra acabada, não será uma coisa definitiva, pois ajustes terão de ser feitos mais na frente, quando efetivamente o novo modelo estiver em vigor, mas isso não tira o brilho da aprovação.

Não temos ainda nem a convicção, se as mudanças terão o efeito desejado por todos no país, mas a tentativa é válida.

Temos como saldo pontos positivos e negativos, que só o tempo vai calibrar a importância de cada ponto.

É óbvio que o filme ainda não terminou, e certamente dependendo de quem vencer a próxima eleição presidencial, mudanças serão feitas de forma imediata, mas isso faz parte do jogo político, e não altera o mérito da atual decisão.

Podemos elencar como pontos positivos, o fim da cumulatividade dos impostos, o fim de carregar no custo das exportações, parte da carga tributária, a mudança da cobrança dos impostos estaduais da origem para o destino, que acabará com a guerra fiscal, além de um melhor conhecimento dos tributos efetivamente a serem pagos pelo consumidor final.

Isso sem contar a possibilidade da redução da sonegação fiscal, que vai impactar a arrecadação dos entes federados, de forma positiva.

Temos como pontos negativos, a elevação da carga tributária, notadamente em alguns setores, assim como o excesso de exceções, onde os lobbies funcionaram, notadamente de setores já tradicionais em mamarem nas tetas do estado, à custa do discurso de atendimento aos mais pobres.

Nesse quesito se destaca o grande vitorioso, que foi a já famosa JBS, que conseguiu a isenção das carnes, marcando uma verdadeira fortuna de ganhos para esse grupo, que tanto já se beneficia de benesses ao longo da sua história.

Por conta dessas benesses, vamos ter uma das maiores alíquotas de impostos do mundo, talvez voltando em breve a vencermos algum campeonato mundial, já que no futebol está meio difícil.

Sempre existiu um princípio básico na economia, de que tributos são receitas do estado, e despesa do consumidor. Por isso, tanto maior a cobrança, maior a arrecadação dos entes, além de maior a conta do contribuinte.

Só que na prática, no Brasil, isso não se dá dessa forma, pois geralmente quando reduzimos tributos, parte deles são absorvidos como aumento de margem dos setores beneficiados.

Quem consegue me dizer, se depois do fim da CPMF, alguém reduziu nos seus preços ou tarifas, o custo de alguma coisa para o consumidor?

Com a desoneração da folha de salários, houve algum benefício repassado para o consumidor?

Poderia dar centenas de exemplos, de que infelizmente no país, reduzir impostos não teve impacto em qualquer preço, por isso devemos ter cuidado com isso.

No caso da carne, simplesmente esse benefício servirá para aumentar o lucro de gigantes como a JBS, sem a garantia de que a picanha tão prometida pela campanha do Lula, chegará mais barata na mesa do pobre.

Até porque isenção de produtos, para chegar a classe pobre, além de não atingir, acaba beneficiando muito mais os ricos do que os pobres.

É muito fácil de entender o porquê, já que todos consomem a carne, pobres e ricos, sendo que os ricos não precisam dessa isenção, acabando gerando um aumento de alíquota geral dos novos tributos, gerando uma despesa maior para o pobre em outros produtos, que não estarão isentos.

É uma falácia esse discurso de isenção, para benefício dos mais pobres.

Se quisessem realmente beneficiar aos mais pobres, não deveria ter isenção alguma de qualquer item, nem de cesta básica, mas se devolveria os impostos pagos por eles, nas suas compras desses produtos, na forma do famoso “ cashback”.

Não adianta essa história de beneficiar quem está somente no Cadúnico, pois quem ganha um salário mínimo e não recebe bolsa família, também tem de ter direito ao cashback.

Qualquer isenção de qualquer tipo de produto, beneficia o rico, e prejudica o pobre. Isso é absolutamente certo.

Quem defende isso, ou não tem o conhecimento técnico suficiente para o tema, ou está apenas defendendo interesses privados de grupos econômicos.

Em resumo, ou é ignorância ou é má-fé mesmo.

Os bilionários, como os irmãos Batista, além de consumirem a sua própria picanha pagando o mesmo que os pobres, vão ganhar mais dinheiro com o lucro da venda dos produtos, recebendo dividendos, ainda sem tributação, aumentando em muito o seu já bilionário patrimônio, podendo consumir no exterior, esbanjando até mesmo em vinhos caros, o ganho obtido em cima da comida dos brasileiros pobres.

Essa é a dura realidade, que estão fazendo como consequência dessas benesses.

Também temos o problema da Zona Franca de Manaus, que acabou com os seus benefícios aumentados, pagos por todos os brasileiros. E o pior é que ainda estão achando pouco, querendo ainda mais benefícios.

Ninguém contesta, que deveríamos preservar a arrecadação pública do estado, mas para isso seria mais barato compensar diretamente a possível perda, do que aumentar os benefícios gerais, gerando uma conta permanente, que macula o espírito da reforma, fazendo que todos os brasileiros paguem essa conta.

Temos também a perda do poder de estados e municípios, de legislarem e tributarem, nas suas zonas de competência, que deveria até ter ocorrido, mas tendo como compensação a assunção das suas dívidas com a União, que poderiam ter sido absorvidas na reforma.

O paliativo que o Senado está tentando fazer, com um projeto de redução dos juros, de autoria do Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, de cunho eleitoral para ele no seu estado, não resolverá o problema, assim como não ajudará em nada os efeitos no caixa imediato, dos estados principalmente.

Essas dívidas são impagáveis, todos sabem disso, e não adianta prorrogar essa agonia, que não foi causada pelos estados, mas sim pela absurda taxa de juros já cobrada no tempo pela União, a famosa taxa Selic, que já teve momnetos de custar 70% ao ano.

Ainda assim teve períodos, em que a cobrança era superior a própria taxa selic, sendo isso corrigido por mim, como relator de um projeto, que virou lei em 2014, reduzindo os juros da dívida, limitando inclusive a correção pela Selic.

Na época. se reduziu bastante o estoque da dívida dos estados, mas com o tempo decorrido, além dos juros da taxa Selic ainda elevados, a dívida já explodiu de novo.

O que se deveria ter, para resolver de vez o problema, era um dispositivo de assunção das dívidas pela União, colocando um percentual de repasse da parte dos estados, da alíquota que lhes couber na partilha, com uma limitação semelhante a existente hoje, que corresponde a 13% da Receita Corrente líquida, que é a base máxima de pagamento atual.

Ou seja, os estados poderiam optar por essa nova modalidade de pagamento da dívida, ficando com uma carência até a implementação da reforma, tendo uma conta certa para pagamento da dívida, sendo dada quitação pela União, ao fim de um prazo que poderia ser de 20 anos, de pagamentos efetuados com a redução das suas receitas, que poderia ser estipulada em 10% do montante a ser recebido.

Com isso, não teria mais juros e nem saldo devedor, acabando o problema, dando é claro uma enorme redução da dívida, que seria uma forma compensatória da perda do poder de tributar.

A eventual perda que a União teria, seria absorvida pelo aumento de arrecadação que passará a ter, em função da reforma, não só pelo aumento da carga tributária, como pela diminuição da sonegação.

Ainda existe tempo para corrigir isso, não só pelo fato de a reforma ainda ter de tramitar no Senado, como pelo fato que ainda resta outro projeto em tramitação na Câmara, acerca do Comitê Gestor, que propõe regulamentar justamente a relação dos entes na administração dos tributos.

Essa solução será muito melhor para todos, podendo ainda estabelecer regras para limitação das despesas dos entes beneficiados, para que a economia obtida com a redução da dívida, não acabe sendo desperdiçada em aumento de despesas, mas sim para investimentos, ou até para custear a crescente despesa de previdência dos entes.

Os estados, também deveriam ter se organizado para essa discussão durante a tramitação da reforma, mas infelizmente isso não ocorreu.

Também por óbvio, o aumento futuro da arrecadação, seguido da constatação do aumento da carga tributária, acabará levando a uma pressão da sociedade, para a redução da alíquota estabelecida de 26,5%, que como já dito, será uma das maiores do mundo, para quem adota essa modalidade de cobrança de tributos.

Também faltou a reforma, ter se focado somente na tributação do consumo, deixando a etapa da reforma com relação a renda, para um segundo momento, que vai custar a chegar.

Os interesses são muito grandes, onde dividendos ainda não estão sendo tributados, beneficiando em muito os bilionários, assim como ainda não se fala em alterar a tupiniquim fórmula de “juros sobre capital próprio”, que beneficia os mais ricos, com uma forma disfarçada de distribuição de dividendos, com benefício enorme, de redução de base de cálculo de pagamento de imposto de renda e CSLL, pelas empresas.

A ausência do tratamento da tributação sobre a renda na reforma, nos fez perder uma oportunidade histórica, de tratar desse tema, restringindo em muito o alcance, que a reforma poderia ter tido.

A redução de impostos sobre a renda, tem impacto direto na formação de poupança, e por consequência de investimentos, até porque poderia se atrelar uma alíquota menor a vinculação com investimentos, que poderia trazer um boom de desenvolvimento no país.

Todos concordam, que taxa de juros é um dos grandes inibidores do investimento e do crescimento econômico.

A discussão da oferta de crédito, e do seu respectivo custo, são fundamentais para o aumento do investimento.

Imaginem só, termos uma redução de alíquota de impostos, voltados para o investimento compulsório no aumento da produção do país?

Isso foi feito pelos Republicanos nos Estados Unidos, e deu muito certo por lá.

Isso pode ser feito de maneira indireta, pela redução da distribuição de dividendos, e os tributando, ou de forma direta, vinculando a redução do pagamento de impostos, a gastos com novos investimentos futuros, ou com aplicação compulsória em fundos de investimentos, para oferta de crédito barato, para investimentos produtivos.

Também seria uma oportunidade de aumentar a renda das pessoas, corrigindo as distorções da tabela de imposto de renda das pessoas físicas, onde uma injustiça social é evidente, com pessoas de baixa renda pagando impostos elevados, para a sua renda.

Qualquer economia no bolso dos mais pobres, tem o impacto de aumento do consumo, repercutindo na economia, na produção, no crescimento econômico, no aumento da massa salarial, e da renda das pessoas.

Dificilmente nessa legislatura esse tema será mais tratado, ficando a reforma do imposto de renda, para um outro momento, em um outro governo, já que para esse atual governo, a agenda parece esgotada.

Também seria muito difícil na segunda metade do mandato, onde todos estarão já se voltando para a disputa eleitoral de 2026, se conseguir obter um consenso para se votar algo mais de relevante.

Também seria difícil que o sucessor de Arthur lira, qualquer que seja ele, tenha no primeiro momento, a mesma força para impor uma agenda parlamentar, sepultando de vez qualquer mudança relevante para ocorrer entre 2025 e 2026.

Mas com tudo isso, com os percalços que ainda serão corrigidos, com a discussão manca pelo excesso de benesses, a aprovação da reforma tributária, além da vitória política pessoal do Presidente da Câmara, tem um sentido de avanço na agenda de desenvolvimento do país, e da correção das distorções, mesmo que distorções novas estejam sendo criadas.

Por óbvio vai existir uma grande judicialização da reforma, mais pelo espírito de se tentar obter ganhos setoriais, mais de qualquer forma, imposto novo sempre gerará briga nova.

É preciso um trabalho enorme de esclarecimento a população, dos efeitos do que está sendo aprovado, mas também do esclarecimento das vantagens, sobre os nossos obsoletos instrumentos de cobranças de impostos atuais em cascata.

Só pelo fato de termos mecanismos para impedir a sonegação atual, em números absurdos, já nos deixa satisfeitos pela aprovação dessa reforma.

Isso é bom para qualquer ideologia, para qualquer governo, pois quem quer governar precisa ter o recebimento dos impostos corretos, para poder realizar os seus programas.

Já a forma de gastar, ou de alguns casos desperdiçar, o eleitor vai ter a oportunidade de julgar, no momento adequado da discussão eleitoral em 2026.

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