Paulista de Franca, Edu Mariano tem longa história no NBB, na principal liga do Brasil, com 11 temporadas disputadas, sendo seis delas pelo Vitória. Ao longo da caminhada, fez história ao conquistar um inédito terceiro lugar pelo clube rubro-negro, em 2015/2016, e criou identificação. Mas a caminhada no basquete nem sempre foi de sorridos para o então jogador, que precisou lidar com o preconceito por conta da cor da pele.
No mês da Consciência Negra, o Globo Esporte BA promove a série “Por Nós”, que conta a história de atletas que sofreram e combateram o preconceito no esporte. Após Marily dos Santos, agora é a vez de conhecer Edu Mariano, que atualmente é treinador de basquete.
´´Eu estava pensando em parar e tive a oportunidade de crescer em Salvador, de voltar a jogar. Salvador me devolveu o basquete novamente. A cultura do futebol é forte, mas a galera abraçou. Quando a gente chegou em Cajazeiras que não tinha piso flutuante, que falaram que não iria dar certo. Aí a nossa fé pegou e trouxe tudo isso para acontecer, e hoje a gente está fazendo o basquete ser realidade em Salvador. Time o momento para conquistar e virar realidade. A gente não tinha o NBB, só o estadual. Hoje a gente tem um estadual legal e tem oportunidade de jogar outros campeonatos, como o brasileiro e a Sul-Americana´´.
Durante a caminhada no basquete, Edu, que foi pivô, celebrou conquistas e lamentou frustrações. Mas alguns dos momentos tristes aconteceram simplesmente em razão da cor da pele.
´´O cara fala que você que é preto está para fazer rebote, marcar, porque não pensa. A gente sofre muito. O americano que vem pode fazer tudo. Mas, você, jogador preto…A gente pode colocar alguns que foram armadores, posição que pensa o jogo. Eu tinha potencial como outros têm. Mas essa função é tirada da gente. E dizem que você vai ser pivô mesmo não tendo estatura´´.
“É forte quando você escuta que preto não pensa, só sabe correr”.
Edu sofreu preconceito por ser negro e por ter vitiligo, doença de pele que se caracteriza pela perda de pigmentação e que resulta em manchas brancas.
– Eu, por ser preto, já tem aquela dificuldade. E eu por ser um preto com vitiligo…Há um tempo a gente não tinha esse momento de falar que era uma coisa simples. Tinha gente que achava que era contagioso. Tinham pessoas que eu ia cumprimentar, dava a mão para a pessoa que se negava. Ou pegava no meu punho e não na mão. Teve situação de jogo que eu estava bem, e a torcida gritar: “Está perdendo a cor”. Fora ser chamado de outras coisas, que parecia uma vaca. Foi frustrante. A gente pensa em parar, mas é forte.
Diante dos comentários maldosos e das situações constrangedoras que passou, Edu se escondeu ao evitar entrevistas e fazer o o uso de maquiagem.
´´Como pintava, quando entrava na quadra ninguém via. Mas muitas vezes, na hora que eu estava no quarto com meu parceiro de quarto, que eu lavava o rosto, o cara perguntava o que aconteceu. Muitas vezes eu me maquiei para me proteger, não ter uma zoação. Eu podia fazer o melhor jogo, se viesse dar entrevista, eu corria para o vestiário porque não queria ser holofote, para não estar ali tomando pancada. Então eu me escondia´´, recorda.
As ofensas sofridas por Edu não foram as primeiras, tampouco as únicas na história do NBB. Em dezembro do ano passado, o argentino Nicolás Copello, atleta do Minas, recebeu pena máxima de dez jogos de suspensão, além de multa de R$ 8 mil por provocações racistas a Matheus Santos, o Buiú, do Cerrado Basquete.
Os casos de racismo fizeram a Liga Nacional de Basquete (LNB) dar um passo pioneiro no combate ao preconceito no esporte no Brasil, com o lançamento do Tratado Antirracista e Pela Diversidade, em abril deste ano. O documento, disponível no site da LNB, estabelece protocolos para casos de discriminação racial, violência contra a mulher, LGBTfobia, xenofobia e capacitismo em jogos da liga, orientando o acolhimento à vítima, a denúncia e o encaminhamento para julgamento, tanto na esfera civil quanto na esportiva.
Edu celebra o primeiro passo, mas espera que mais ações se espalhem pelo Brasil.
´´Hoje eu acredito que deu o primeiro passo. Mas a gente tem que fortalecer cada dia mais. E não só na Liga, no NBB, na autoridade máxima do basquete. Eu acho que tem que ser no CBB, na Liga Ouro, nos campeonatos de base. Tem acontecido, mas muitas vezes a gente finge para não dar repercussão e não ser escanteado´´.
Em 2018, Edu fundou o Instituto Edu Mariano (IEM), que oferece aulas gratuitas de basquete no bairro de Mussurunga, em Salvador. O objetivo é apoiar e fortalece as equipes de base do basquete.
´´Eu sou espelho para os meninos que estão ali. Hoje estamos trabalhando no Instituto, com 300 a 400 minutos. Eles não podem sofrer o que eu sofri. Precisam ser valorizados´´,afirma.
A exemplo do basquete, esporte no qual cada jogada é construída para que o time avance junto, a luta contra o racismo exige o mesmo espírito de equipe. Cada passo dado, cada conquista, é como uma assistência para as próximas gerações.
´´A gente tenta, chora sozinho, mas volta. Antigamente eu corria para o vestiário, não queria ser holofote. A gente não está sacaneando ninguém. Só está fazendo o que gosta. Mas muitas vezes a pancada vem. Faço de tudo por basquete. Faço de tudo para que o meu filho possa viver esse momento. É legal ser reconhecido no shopping, na quadra, na rua. Mas muitas vezes você sofre pelo que escuta´´.
Fonte: GE