Quando é o Dia do Homem? As sutis formas de contra-ataque aos avanços das mulheres

Por Renata Souza

Foto: Reprodução

O dia 8 de março já está consolidado em nosso calendário como o Dia Internacional da Mulher, um mês em que vários eventos internacionais e nacionais marcam as celebrações em torno da data. Entretanto, a percepção que tenho a cada 8M é que, junto com as comemorações, também vemos ataques a essa data. Arrisco dizer que, dos mesmos criadores de “cadê a Lei João da Penha?”, ouvimos a célebre pergunta, que já se tornou um clássico daqueles que aparentemente não estão tão comprometidos com a ideia de igualdade de gênero: “Quando é o dia do homem?”. Não é difícil ver vários perfis nas redes sociais, até mesmo de homens que se dizem progressistas, entrando na “trend” e estampando nos seus perfis essa pergunta aparentemente inofensiva.

Aparentemente. Porque, de inofensiva, essa pergunta não tem nada. Pelo contrário, ela é uma forma sutil de ataque, ou contra-ataque, como prefere a jornalista e pesquisadora Susan Faludi, às conquistas das mulheres. Segundo a autora, no final do século XX, os setores políticos mais conservadores e a imprensa impuseram uma verdadeira guerra de narrativa contra as conquistas femininas e contra o feminismo. Dessa forma, os meios de comunicação estampavam editoriais que alardeavam a liberdade feminina e as conquistas no mercado de trabalho, como se as mulheres já tivessem “chegado lá”. Em outras palavras, como se tivessem conquistado tudo o que havia para ser conquistado no que diz respeito à igualdade de gênero.

Entretanto, a autora aponta em seu livro que, nas mesmas matérias que propalavam as conquistas femininas, alertava-se que esse “excesso” de liberdade, conquistas e igualdade trouxe mais sofrimento para as mulheres do que vantagens. Pois, agora, elas eram livres, mas infelizes. Com postos no mercado de trabalho, mas solteiras e sem filhos. Alguns acadêmicos, que também engrossaram as fileiras do contra-ataque, denominado por Faludi de “backlash”, apontavam que a infelicidade feminina era culpa do movimento feminista, que teria condenado as mulheres a uma vida inferior. Mobilizaram, então, todo um aparato ideológico para convencer as mulheres de que eram infelizes.

Para a autora, esse contra-ataque é sintoma da existência de um ressentimento masculino à igualdade feminina. E neste ponto, a autora não está fazendo uma crítica pessoal a João, a Pedro ou a Paulo, mas sim ao modelo de masculinidade patriarcal pautado na ideia de superioridade masculina e inferioridade feminina.

Mesmo as mulheres representando 51,2% da população brasileira, segundo dados de 2024 da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad), as desigualdades de gênero no mercado de trabalho, na representação política e na ciência — para citar algumas áreas — são enormes, persistentes e estruturais do lado de cá do equador. Em outros termos, a ausência feminina nas atividades mais bem remuneradas, intelectuais e de gerência é historicamente persistente.

Por exemplo, o direito ao voto feminino no Brasil só foi legalmente concedido em 1932 e exercido plenamente em 1934, ou seja, há 93 anos. Antes, estávamos formalmente alijadas dos processos políticos, da tomada de decisão, sem poder votar ou ser votada. Além disso, mesmo tendo o direito político formal, ao longo da história, fomos, e continuamos a ser, completamente desestimuladas a participar da política. As poucas mulheres que se engajam em cargos eletivos são vítimas cotidianas da violência política de gênero e muitas pagam com a própria vida. Jamais podemos esquecer de Marielle Franco.

Esse mesmo Brasil que quer saber do dia do homem, atualmente, é governado pelo seu 39º mandatário e só tivemos uma única mulher a usar a faixa presidencial, que, em 2016, sofreu um impeachment — também conhecido como golpe — com requintes de crueldade e muita misoginia. O nosso “Brazil” (sim, tô gastando meu inglês) só em 2022 aprovou o Projeto de Lei (PL 1941/2022) que dispensa a autorização do cônjuge para que uma mulher faça a laqueadura. O Brasil do “Deus, pátria e família”, que quer reivindicar o dia do homem, só em 2025 permitiu a entrada da primeira mulher no Superior Tribunal Militar (STM), uma instituição que já existe há 217 anos. Isso mesmo que você leu: só em 2025 o STM teve uma mulher como presidenta.

Não vou me estender nos exemplos, não que eles não existam e não sejam relevantes, mas vou ficar nestes para que possamos avançar em nossa conversa. Acredito que com essa pequena amostra seja possível compreender o quanto as mulheres estão distantes de uma igualdade de gênero e até mesmo de uma participação cidadã plena, seja no Brasil ou fora dele. Em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu as desigualdades de gênero como um dos grandes problemas do século XXI a serem superados.

Por isso, precisamos de pelo menos um dia para lembrarmos ao mundo que estamos muito distantes de ter “chegado lá”, ou seja, de termos conquistado igualdade de gênero e de sermos donas dos nossos corpos e das nossas vidas.

O Dia Internacional da Mulher, historicamente, está relacionado com a luta por igualdade de condições econômicas, políticas e sociais. Uma vez que a imagem feminina sempre esteve ligada à ideia da esfera doméstica, da fragilidade, da maternidade e da inferioridade. Essas ideias criaram e consolidaram barreiras para que as mulheres fossem consideradas até mesmo cidadãs.

O modelo de mulher ligada à esfera doméstica remonta ao início do século XIX, fruto de uma construção social consolidada na opinião pública, na imprensa e nas leis. Segundo as historiadoras Carla Bassanezi Pinsky e Joana Maria Pedro, em seu artigo “Igualdade e Especificidade”: “A mulher que atua nos territórios ‘masculinos’ da cultura e da política foi repudiada em favor da mulher doméstica, que elege a família como centro de sua vida”. Reforçam o que as autoras chamam de segregação sexual dos espaços públicos e privados. Vejam que as “trad wife” (esposas tradicionais) ou esposas-troféus não foram inventadas pelo TikTok!

Por último, o Dia da Mulher é dia de questionar o porquê de sermos vítimas diárias das mais variadas violências e desrespeitos. De questionarmos o porquê ganhamos salários menores. É um dia de lembrarmos que não devemos fazer essas reflexões e questionamentos só no mês de março. Dia de lembrarmos que devemos resistir e reivindicar direitos todos os dias. Mesmo que exista ressentimento e contra-ataques contra os avanços das mulheres.

E para você que quer saber quando é o Dia do Homem, no Brasil a data é celebrada no dia 15 de julho, tendo como principal objetivo chamar a atenção do público masculino para os cuidados com a saúde. Afinal, o modelo de masculinidade vigente pautado em valores machistas não vitimiza só as mulheres.

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