Associação dos 22 filhos de Mr. Catra lança álbum e planeja musical e filme sobre o funkeiro: ‘Todos podem ouvir em família’

'Com todo o respeito ao samba' abre pacote que inclui 5 discos, um doc e uma animação: 'Ele era versátil', diz um dos herdeiros

Por Otávio Fonseca

Foto: Colagem de fotos de Ana Branco (filhos) e Divulgação (Catra)

Maior nome do funk que partiu das favelas do Rio de Janeiro para o mundo, Wagner Domingues Costa, o Mr. Catra (1968-2018), cantava músicas de temas variados. Mas dois deles lhe eram particularmente caros: as delícias do sexo descontrolado e a fé no Altíssimo. Mais do que um dito bíblico, o “crescei e multiplicai-vos” foi o norte da sua existência: em 49 anos de passagem por esta dimensão, Catra se orgulhava de ter deixado nada menos que 32 filhos.

— Isso, fora os filhos de coração, que ele levava lá para casa — conta Thamyris dos Santos Domingues, 31 anos, formada em administração.

Ela foi indicada como inventariante do espólio do pai em comum acordo com os outros 22 filhos legalmente reconhecidos do funkeiro (homem de várias mulheres, Catra tem outros rebentos ainda em processo de reconhecimento).

— E ai de quem dissesse que o filho não era dele! — brinca Julia Garcia Domingues, de 26 anos, que trabalha com vendas on-line e dá suporte de marketing para os irmãos.

No último domingo, data em que completaria 55 anos, o MC foi homenageado pelos filhos com o lançamento, no streaming, do álbum “Com todo o respeito ao samba” — resultado dos muitos churrascos com pagode que promoveu em suas casas no Méier e em Vargem Grande no começo dos anos 2010.

Produzido por Pedrinho Ferreira, ex-diretor musical do Só Pra Contrariar, essa salada de sambalanço, samba-rock, samba de raiz e pagode romântico (ornado pela inconfundível voz grave de Catra) andou circulando informalmente pela internet, mas só agora tem edição oficial.

É o primeiro álbum póstumo do artista a sair de uma associação dos filhos, liderados por Thamyris, com a Labidab Music, selo que nos últimos dois anos veio organizando a obra de Catra (artista que muitas vezes trabalhou sem empresários e tem fonogramas espelhados por várias gravadoras).

“Com todo o respeito ao samba” abre um pacote de projetos a serem lançados nos próximos meses que inclui um disco de inéditas de hip hop e trap (com a lendária faixa “Cativeiro”, que ele gravou no começo dos anos 2000 com o pioneiro americano do rap Afrika Bambaataa, e outras com o grupo Família Sagrada Família), um de música eletrônica, um de rock, um Elas Cantam Catra (com nomes de destaque do pop brasileiro) e um Eles Cantam Catra (idem).

Ainda estão na fila um musical (com produção de Joana Motta) e um documentário (já em fase de gravação) e um filme de ficção. Há planos, inclusive, para um filme de animação com Catra.

— O Catra era versátil, completo, ia do rock ao funk — analisa Alan Pedro Soares Cardoso Domingues Costa, o MC Alandim, de 32 anos, filho mais velho do MC (que ainda chegou a ver o nascimento de seu mais novo, Nicholas, hoje com 5 anos).

Thamyris recorda uma fala frequente do seu pai:

— Ele brincava com a gente dizendo que o funk foi a maneira mais fácil de começar a ganhar dinheiro. Porque ele não era muito fã do estilo — jura ela. — O funk mudou as vidas de muitas pessoas porque o Catra abriu várias portas e levou essa cultura até para fora do país (a voz de Catra, por sinal, está em “Que rabão”, faixa do álbum internacional de Anitta de 2022, “Versions of me”).

Julia Garcia Domingues acredita que “Com todo o respeito ao samba” é o projeto ideal para trazer o pai — um dos primeiros artistas do funk a fazer feat com sertanejos e que estourou nos anos 2000 com “Adultério”, paródia pornô de “Tédio”, do Biquini Cavadão — para um número maior de ouvintes:

— Não adiantava a gente sair com qualquer coisa, o Catra foi um artista com bastante relevância no mercado. Esse é um CD de samba onde não tem apologia (ao crime) e não tem putaria, é algo especial que todos podem ouvir com a sua família.

Mas, segundo Vanessa Bicalho, CEO da Labidab Music, o processo até chegar à oficialização desse disco (e de outros) de Catra foi longo:

— Tem vezes em que foi um pouco chato, a gente teve que notificar gravadoras que foram se apropriando da obra dele sem prestar conta. Nosso departamento jurídico trabalhou duramente. Foram dois anos nesse processo!

Raíssa Bastos Tavares Domingues, de 20 anos (a Raíssa Real, cantora de trap que acaba de lançar um dueto com Catra, “Filha do homem”), lembra um pouco de como era esse modus operandi que atrasou por tantos anos lançamento de um álbum póstumo:

— Meu pai autorizava tudo sem assinar papel nenhum. A demora real de tudo isso foi a de organizar a bagunça que ele fez.

Segundo Thamyris Domingues, que acompanhou bastante Catra em suas andanças, isso era um reflexo da informalidade do seu próprio processo criativo:

— Meu pai ficava vendo essas resenhas de estúdio, bebendo, fumando e aí, nessa, iam saindo as obras.

O artista incansável e o pai amoroso

Uma distinção que os filhos sempre tiveram bem clara é a de que existia Mr. Catra, o incansável artista que varava as noites nos bailes, shows e boates; e o Wagner, o pai amoroso que, em alguns fins de semana livres, levava as crianças ao shopping e se desmanchava em afagos.

— Mas, como pai, ele também era exigente, ele sempre queria saber se a gente estava estudando, se a gente estava fazendo as coisas direito — conta Alandim, que estreou na carreira em 2015 ao lado de Catra com a faixa “Fé em Deus”. — E quando tinha música nova, ele parava tudo. Aliás, ele estava sempre soltando coisa nova.

A exaustiva rotina de trabalho do artista, a filha Thamyris acompanhou de perto, desde os 20 anos de idade, quando começou a cuidar da parte financeira e administrativa da empresa que montou para o pai, a Família Sagrada Família.

— O Catra não tinha uma gravadora, ele se vendia sozinho e trabalhava sozinho. Ele era muito rígido com o que pedia, por exemplo, para o camarim, ou com as passagens aéreas. Às vezes, a gente tinha que se virar nos 30 para atender, mas era muito bom trabalhar com ele — elogia ela, ressaltando que as coisas podiam não ser fáceis mesmo. — Teve uma vez em que a gente chegou a fazer 15 shows seguidos, começou na tarde de um dia e terminou às 8 da manhã do dia seguinte.

Quando morreu, muito debilitado por um câncer no estômago, em 9 de setembro de 2018, Mr. Catra não deixou significativa quantidade de bens materiais para os filhos.

— Ele falou: “Vocês vão ter ouro, mas vão ter que trabalhar em cima disso, porque o que eu vou deixar para vocês são as músicas, o legado.” — recorda-se Thamyris.— E graças a Deus, desde que meu pai faleceu, de alguma forma ele sempre esteve em volta da gente, fazendo com que a gente resolvesse tudo juntos.

Fonte: Extra

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