Persistência. Força. Sonho. Foram essas as palavras que Samuel Henrique escolheu para se definir. Samuka, como é mais conhecido, teve a perna direita amputada quando ainda era criança em consequência de um câncer, mas já rodou o mundo com suas apresentações de breaking. Recentemente, fez sucesso ao participar do programa norte-americano America’s Got Talent e agora volta para o Brasil como uma das principais atrações do Red Bull BC One World Final. No próximo sábado, o Rio de Janeiro vai reunir os melhores atletas da modalidade em uma competição que mistura esporte, dança, música e cultura em busca do título mundial.
Com quase 200 mil seguidores no Instagram, Samuel viralizou nas redes sociais e ganhou fama internacional com sua participação no programa America’s Got Talent que distribui o prêmio de 1 milhão de dólares ao vencedor. O brasileiro se apresentou no famoso reality em junho deste ano, surpreendeu os jurados, emocionou a plateia e realizou o sonho de conhecer o ator Terry Crews, do elenco da série Todo Mundo Odeia o Chris. Apesar de ter parado nas quartas de final, o vídeo do brasileiro no programa já conta com quase 1 milhão de visualizações e ele destaca que pretende continuar usando esse alcance para inspirar cada vez mais pessoas.
Prestes a estrear no BC One, Samuka revela que essa foi a primeira competição que assistiu quando ainda estava começando na modalidade. Por isso, não esconde a alegria por ter a oportunidade de competir em casa ao lado dos melhores B-Boys e B-Girls do mundo, além de antecipar que vai ser uma edição histórica do evento.
´´Desde o início foi o que eu sempre quis e hoje poder estar tornando isso real é algo surreal para mim. Eu só quero me divertir e fazer a galera sorrir porque para mim eu já venci. Então essa é a minha expectativa: eu quero me divertir e dar o melhor´´, contou.
A etapa mundial vai ser dividida entre as categorias masculina e feminina, compostas por 16 B-Boys e 16 B-Girls. A decisão funciona no esquema de mata-mata, no qual os participantes se apresentam diante de cinco jurados, que vão avaliar a técnica, criatividade e performance dos competidores. Antes da decisão global sediada no Rio, a competição passou por mais de 30 países com etapas regionais e nacionais.
História
Como a maioria dos meninos brasileiros, Samuel sempre gostou de futebol e sonhava em ser jogador, mas acabou trocando as quadras pelos palcos. A mudança foi condicionada pela descoberta de um câncer quando ainda era criança que o obrigou a amputar a perna direita. Apesar das dificuldades de adaptação no início, encontrou no breaking uma maneira de se manter motivado e seguir uma carreira esportiva.
´´Quando descobri [o câncer] eu tinha dez anos. E quando eu amputei a perna tinha de 13 para 14 anos. Para mim foi difícil, me senti fora do mundo normal. Comecei no breaking e a galera começou a me abraçar e a me incentivar. Quando você está numa competição, você entra para ganhar, ninguém quer perder na competição, e a galera não me subestimava. Aquilo me dava um gás porque estavam me tratando de igual para igual´´, relembrou Samuka.
Agora, aos 27 anos, Samuel reforçou a importância da mãe durante todo o processo envolvendo o câncer e ressaltou também o espírito de união presente na comunidade do breaking que o acolheu desde o início. Atualmente, o brasileiro mora na França onde faz parte da companhia de dança Herve Koubi e conta que já conheceu cerca de 25 países graças ao esporte.
Acostumado a se apresentar em vários lugares do mundo, Samuka esteve presente na capital francesa este ano durante os Jogos Olímpicos. Ao lado da família e do grupo ILL-Abilities – formado só por pessoas com deficiência – Samuel fez uma exibição especial antes das semifinais do breaking, que estreou no programa olímpico em Paris. Ele destacou ainda o orgulho por carregar as cores do Brasil para o maior evento esportivo do mundo. Apesar da modalidade não retornar para Los Angeles em 2028, o atleta fez questão de destacar a visibilidade que o esporte ganhou junto ao público.
Breaking
Samuka aproveitou também para detalhar a complexidade do breaking, que envolve elementos como música, dança e movimentos acrobáticos. Além disso, explicou como ter uma boa presença de palco é importante para contagiar os juízes e o público.
´´Para os jurados o que conta é uma boa execução, movimentos diferentes, que mostram originalidade. Todo mundo dança o breaking, mas cada um tem sua personalidade, cada um tem o seu jeito de expressar a sua dança. Então, basicamente, é isso que os jurados procuram avaliar: execução limpa, musicalidade, originalidade e personalidade´´, explicou o atleta.
Criado nos Estados Unidos, em 1970, o breaking é um estilo de dança urbana com raízes no hip hop, mas não se restringe a isso. Com a forte presença de outros elementos culturais, Samuka explica que essa mistura combina bem e é o que torna o breaking tão único.
´´É uma coisa muito linda que não te limita, você tem vários caminhos para escolher. E em todos eles você pode expressar você mesmo, seja no esporte, na cultura ou na arte´´, disse.
A sincronia entre a dança e a música também foi algo destacado por Samuel como um fator muito importante na hora de performar. Porém, como é o DJ que escolhe a música na hora, cabe aos atletas lançar mão do improviso para impressionar os juízes.
Com experiência também no basquete em cadeira de rodas, foi campeão no Parapan Juvenil de 2017, disputado no Brasil. Por isso, a competitividade é algo que anima Samuka, mas ele explica que o esporte vai muito além da dualidade entre vitória e derrota. Ele entende que o esporte representa também uma potente ferramenta de transformação social e que usa o desafio para se impulsionar. E ao projetar seu futuro no breaking, Samuel acredita que há espaço para criatividade e coisas novas.
´´Quero explorar mais a parte artística. Eu sinto que dá para ir além, dá para fazer coisas gigantes, fora da caixa total e quero explorar esse espaço. Quero explorar o impossível, quero tornar possível´´, afirmou Samuel.
Apesar da história de superação, Samuel relata já ter sofrido episódios de preconceito por causa da sua deficiência. Sem se deixar abater, ele ressalta a importância da saúde mental para enfrentar os desafios da vida e quer usar seu exemplo para conscientizar as pessoas, principalmente as crianças.
´´Às vezes a gente torna um problema pequeno em algo tão grande que a gente esquece do poder que a gente tem. Todo ser humano tem um poder incrível, extraordinário, só que às vezes a gente não acredita. O limite mora na cabeça e o impossível é só uma oportunidade de ser explorada´´, finalizou.
Do Distrito Federal para o mundo, Samuka segue sempre em movimento porque no breaking o segredo é não parar de dançar.
*Estagiária sob supervisão de Lydia Gismondi
Fonte: GE