A perda e a falta

Por Luiz Roberto Duncan

Foto: Reprodução

Na mitologia grega, após a guerra com os titãs, Zeus divide o mundo entre ele e seus irmãos: Poseidon e Hades. Zeus passa a dominar o céu e os vivos; Poseidon, os mares e todos que nele viajam. Hades o submundo, que é a terra dos mortos.

O submundo reside nas profundezas da terra. A passagem para o submundo se constitui de um único caminho, que é a morte.

Recordo-me do filme “Fúria de Titãs”. Nele, Zeus surge irado, pois não se sente amado. Mediante a ira de Zeus, Hades retorna do submundo, estabelecendo com Zeus um diálogo.

Quando estamos com raiva e até mesmo com ódio, damos voz aos Deuses do submundo. Como fantasmas, eles se apresentam no pensamento. É interessante marcar que Hades (que governa o submundo) tem um tampão de tecido que o torna invisível, permitindo assim circular pelo mundo sem ser visto.

Na vida, em muitas ocasiões, perdemos a pessoa amada e/ou seu amor, e o mal pode se instalar, mal é tudo aquilo que, com a perda do amor ameaça a vida. Raiva e ódio podem ganhar força nesse momento, o ódio tende a se transformar em inveja, a inveja é um afeto que causa vergonha, é a marca de um sentimento primitivo, e enquanto tal, o sujeito se entristece com a felicidade do outro e se alegra quando o mal o atinge. O que ocorre é que esses pensamentos (que são nossos) passam a ser nossa moradia. Digamos assim, o submundo onde Hades vive se abre e nos convida a uma estada que pode ser muito longa, quando não eterna.

Com certeza, como lidamos com a perda e a falta, marca nosso trajeto na vida. A perda está em jogo nas escolhas, quando escolhemos e devemos escolher, algo se perde, e o escolhido é sempre faltoso, pois o absoluto é da ordem do impossível.

O sujeito humano que pensa ser possível dar conta da falta, corre o sério risco de viver no submundo, procurando o que não existe. Existe um “Outro” que promete a completude. O amor imaginário, os remédios milagrosos, as terapias mágicas e drogas se apresentam a essa demanda. Lembremos que quando Zeus demanda ser amado, quem aparece é Hades, com promessas fantasiosas e delirantes.

O malestar da vida é insuperável, como também as angústias e inibições. Uma dose de angústia é estimulante, faz bem a criatividade do sujeito, da mesma forma que uma dose de inibição lhe é protetora; o que é possível e desejável é que o sujeito, apesar das dúvidas, das incertezas e das vacilações, aposte em uma opção.

A dificuldade encontra-se em carregarmos pela vida este ser que somos, um ser em falta.

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