Aos 40 anos de idade, Tifanny se declara uma sobrevivente no país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo pelo 16º ano consecutivo, de acordo com dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), publicado em janeiro passado. Contrariando as estatísticas, que apontam uma expectativa de vida de 35 anos no Brasil para essa população, a primeira mulher trans a jogar a Superliga feminina, em 2017, virou desde então uma referência no vôlei.
No embate entre o seu Osasco e o Sesi-Bauru, nesta quinta-feira, às 15h45 (de Brasília), no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, a ponteira vai virar a primeira trans a disputar uma final da principal competição brasileira, ratificando mais uma vez sua representatividade para a comunidade LGBTQIAPN+, dentro e fora das quadras. A aguardada decisão terá transmissão ao vivo da TV Globo, sportv2 e ge.
´´Eu entro em quadra carregando não somente a Tifanny, mas carregando toda a letra T, de pessoas transsexuais, transgêneros e travestis. Acho que cada pessoa que representa essa comunidade e está em foco, precisa carregar essa bandeira. Nós sabemos a luta diária que é para sobreviver. Nós lutamos por sobrevivência´´, disse a atleta, a maior pontuadora do Osasco nesta Superliga e a quarta maior de toda competição, com 418 pontos.
´´Eu, com 40 anos, me sinto uma sobrevivente, porque sabemos que a expectativa de vida dos trans no Brasil é de 35 anos de vida. A maioria das mortes são horrorosas e causadas pelo público que, ao mesmo tempo, consome pornografia trans. Eu peço que todos os pais, todas as mães, as pessoas trans e todas as pessoas LGBTQIAPN+, pensem na nossa classe. Não é fácil, mas a gente só quer trabalhar e ter dignidade como todo mundo tem´´, acrescentou a camisa 9 da agremiação da Grande São Paulo.
Anos depois de ter passado por duas cirurgias de redesignação sexual, a última delas em 2017, Tifanny segue fazendo exames mensais para assegurar sua presença nas disputas femininas. De acordo com regras da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), com base em recomendações da Federação Internacional de Medicina do Esporte (FIMS), entidade máxima da medicina esportiva, a atleta trans deve ter taxa de testosterona (hormônio sexual masculino) inferior a 5 nmol/L (nanomoles por litro).
´´Eu faço exames de sangue mensalmente, porque a regra da CBV pede um nível abaixo de 5 nmol/L no corpo. Mas quem já fez a cirurgia de redesignação sexual, que é o meu caso, tem o nível de testosterona muito baixo, e eu não precisaria fazer exames. Mas faço para caso alguém peça, faço de prevenção e acabo enviando para a CBV. Mas, nem todas meninas trans, que pretendem jogar no feminino, querem fazer a cirurgia de redesignação sexual. E elas também deveriam ter o direito de jogar, são todas mulheres e deveriam ser respeitadas´´, comentou a ponteira, que também pode atuar como oposta.
Questionada se ela sentiu avanço na representatividade da mulher trans na sociedade brasileira desde que estreou nas disputas femininas de vôlei, Tifanny citou, com orgulho, conquistas em diferentes áreas:
Desde que comecei a jogar a Superliga feminina, em 2017, ainda tínhamos poucas representantes trans com destaque na sociedade. Hoje, nós também temos deputadas federais, deputadas estaduais e vereadoras. Também temos destaques na música, na televisão, temos CEOs de empresas. E muitas meninas que estão lutando por representatividade. Muitas morreram, lutando, para que nós existíssemos´´.
Enfim disputar uma final de Superliga, após oito edições, é a realização de um grande sonho para Tifanny, pois significa que ela atua em alto nível, a despeito dos obstáculos que enfrentou e ainda enfrenta ao longo da vida. E vai ser ainda mais especial para a jogadora, pois, antes das quatro temporadas no Osasco, a atacante atuou, justamente, também quatro anos pelo Bauru.
´´Toda atleta quando começa a jogar vôlei no Brasil sonha chegar à final e ser campeã da Superliga, que é o maior campeonato do Brasil. E eu tenho esse sonho desde os meus primeiros passos no esporte. Do outro lado tem uma grande equipe, com grandes amigas minhas, e um projeto que tenho orgulho de ter feito parte por quatro anos. Mas dentro de quadra somos inimigas e nós vamos entrar em quadra para vencer e levar esse troféu para Osasco´´, finalizou ela.
Fonte: GE