A “lista da vida”

Por Renata Souza

Foto: Reprodução

Esses dias estava em uma roda de conversa com minha filha e um grupo de amigos dela, todos na faixa etária dos vinte e poucos anos, quando um dos amigos dela, um jovem rapaz com seus 25 anos revelou estar “assombrado” com o fato de estar envelhecendo – isso mesmo, um rapaz de 25 anos se achando velho, mas isso será tema de outro texto, eu prometo! – não tendo concluído uma graduação, porque ainda tinha dúvidas de qual profissão gostaria de se dedicar para o resto da vida. Além disso, todos os outros jovens, a mais velha com uns 27 anos, também engrossaram as fileiras da insatisfação. Essa jovem também estava se sentindo velha e frustrada porque  ainda não tinha realizado o sonho da casa própria. O tema me suscitou uma grande reflexão, pois eu, nos altos dos meus recém inaugurados 41 anos, comecei a me questionar e ter  angustias muito similares a dos jovens com quem conversava: Seria eu uma completa fracassada?  
 
A partir desse questionamento, penso que essas insatisfações que acometem os jovens de 25 anos e aos não tão jovens de 41 têm uma relação direta com o fato de vivermos em uma sociedade que nos cobra o tempo todo produtividade e performance. Seja para termos o corpo mais sarado, o cabelo mais hidratado, o skincare em dia, o emprego dos sonhos, o namorado ou namorada mais gato(a) e muitas outras coisas e  atribuições que se eu for listar aqui, corro o risco de tornar o texto enfadonho e essa é, sem dúvidas, a última coisa que desejo.


Além dessas cobranças, tem também a famigerada  “lista da vida” que somos ensinados que precisamos dar “check” no maior número de ações possíveis, senão em todas, no tempo certo. Essa lista da vida é mais ou menos assim: o certo é passar no vestibular aos 17, aos 22 estar formada, com um emprego que nos dê muito prazer e um bom salário, casar com o amor da nossa vida aos 24, – e não podemos esquecer do famoso ditado popular “quem casa quer casa” – e finalmente, aos 30, posar num comercial de margarina com nosso casal de filhos, performando felicidade. Por último, mas não menos importante, a nós mulheres é exigido tudo que foi listado acima, mais a pele impecável e magérrimas.
Essa “lista da vida” que todos nós, em alguma medida, carregamos em nosso mindset, na nossa configuração mental, seja ela consciente ou inconsciente, não atende a todos os indivíduos. Digo isso, por ser uma dessas pessoas que não conseguiu seguir essa sequência propagada pelas telenovelas, linear e até mesmo, óbvia. Penso que essa “lista da vida”, vendida para nós como o mapa para o sucesso e receita para a felicidade, não foi feita levando em consideração pessoas como eu e, talvez, até pessoas como você. Isso porque, apesar de eu ser a cara do Brasil, ou seja, me pareço com 54% da população brasileira, pessoas como eu são classificadas como minoria. Obviamente sei que o conceito de minoria aqui não é utilizado no sentido quantitativo, mas sim no sentido político do termo. Isto é, de um grupo que é considerado inferior e consequentemente não possui os mesmos direitos e acessos.
 
Penso que essa “lista da vida” que somos ensinados e, na maioria das vezes nos convencemos, que precisamos dar “check” é cruel e reducionista. Reducionista porque coloca as experiências humanas como universais, ou seja como se todos os indivíduos tivessem as mesmas oportunidades e condições materiais. E cruel porque mesmo não tendo as mesmas condições materiais e as oportunidades, nos culpabilizam por não conseguirmos passar no vestibular aos 17, mesmo que ninguém na sua família tenha frequentado a universidade e você não faça a menor ideia do que seja uma universidade. As desigualdades de raça gênero e classe, que se materializam em nossas vidas cotidianas através da falta de acesso à moradia, educação, lazer e como tem sido recorrente no Brasil, até mesmo falta de comida. Ainda assim, ouvimos o discurso da meritocracia sendo mobilizado para explicar que só não é bem-sucedido no Brasil quem não quer, afinal, basta querer.
 
Consegui sair da arapuca que aquela conversa me jogou (Minha reflexão inicial de me questionar se sou uma fracassada) porque hoje olho o mundo com as lentes da sociologia e são elas que me ajudam a sair das armadilhas que o senso comum e as várias desigualdades me jogam, isto é, consigo olhar o contexto e verificar que esse projeto de sucesso universal em um país com altos índices de desigualdade de raça, gênero e classe não é viável para pessoas como eu e talvez para pessoas como você, não dessa forma lógica, linear e óbvia. Infelizmente muitos de nós só agora, aos 40, 50, 60, está conseguindo viver com dignidade. Muitas vezes somos os primeiros e talvez os únicos da nossa família a acessar a universidade.
A experiência humana é única. A vida não tem receita de bolo, como dizem por aí. O sucesso e o fracasso são categorias muito fluidas e particulares, por isso não devemos nos medir a partir da régua do outro, pois cada ser humano é singular e o seu contexto, seja ele de classe, raça e gênero vai lhe trazer oportunidades e possibilidades distintas. Você não é fracassado por não dar “checks” na lista da vida que disseram que  você deveria zerar. Escreva a sua própria lista e crie sua própria métrica de sucesso.
 
E concluo enfatizando que talvez o sentimento de frustração que jovens como os amigos da minha filha, nessa conversa em particular, assim como jovens já não tão jovens como eu estejam experimentando os incômodos (ou seria as consequências?) de termos rasgado o projeto universal que criaram para pessoas como eu e como eles e, talvez pessoas como você, de subserviência e extermínio. Afinal não é comum um homem negro chegar aos 25 anos, falar inglês fluentemente e ainda querer ser autor da sua própria lista da vida.

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